Libertando-se da humanidade - Carta aos Gálatas

Lei ou fé?

Reproduzir todos os áudiosDownload
Parte 1
Parte 2
Parte 3

Ó gálatas tolos! Quem foi que os enfeitiçou? Vocês tiveram diante dos seus próprios olhos, uma descrição clara da morte de Jesus Cristo na cruz. Respondam somente isso: vocês receberam o Espírito de Deus porque fizeram o que a Lei manda ou porque ouviram a Boa-Notícia do Evangelho e creram nela? Como podem ter tão pouco juízo? Vocês começaram pelo Espírito de Deus e agora querem terminar pelas suas próprias forças? Será que a experiência de vocês não serviu para nada? Não é possível! Será que, quando Deus dá o seu Espírito e faz milagres entre vocês, é porque vocês fazem o que a Lei manda? Não será que é porque ouvem e crêem na Boa-Notícia?

Como dizem as Escrituras Sagradas a respeito de Abraão: “Ele creu em Deus, e por causa da fé Deus o aceitou como justo”.

Deixe-me comentar a respeito desta notícia sobre Abraão, mesmo já tendo tocado neste assunto anteriormente.

Abraão foi considerado por Deus o pai da pátria de Israel, do povo hebreu. Ele foi o fundador de uma nação, o pai de todos que nasceram nesta raça.

Foi também através de Abraão que todo o povo judaico passou a ser considerado o “povo de Deus”. Isto aconteceu porque Deus fez com ele um acordo que dizia: seus descendentes povoarão a Terra e eu farei deles meu povo.

Mas, por que Deus fez o acordo com Abraão? Porque ele seguia a lei de Deus? Não pode ser, pois ainda não existiam os dez mandamentos, ou a lei de Deus como é conhecida. Deus transformou Abraão em pai da pátria israelita, do povo de Deus, por uma ação de Abraão que vamos comentar.

Abraão e Sara, sua esposa, já eram velhos e não tinham filhos. Um dia, um enviado de Deus apareceu e informou que Sara engravidaria. Abraão imaginou que aquilo seria impossível dada à elevada idade de Sara, mas o emissário de Deus disse: para Deus nada é impossível.

E Abraão acreditou, teve fé em Deus, mesmo contra todas as circunstâncias contrárias. E nasceu um filho de Abraão e Sara. Imagine você, um velho que já não tinha mais esperança de ter filhos e que de repente tem um filho com a esposa dele: quanta felicidade, não é mesmo?

Mas aí vem Deus e diz a ele para levar este motivo de tanta satisfação ao alto de um morro e sacrificá-lo (matá-lo) em honra a Deus. Quem daqui ia? Qual de vocês levaria seu filho a um altar para sacrificá-lo porque Deus lhes pediu? E repare que não se trata de um Deus visível, mas uma simples intuição, uma “voz na cabeça”.

Pois Abraão foi. Levou seu único filho, o amarrou, levantou a faca e quando ia sacrificar Deus disse: não precisa Abraão, você já provou a sua fé e é por ela que Eu vou transformá-lo no pai da pátria dos hebreus.

Observação: Este é o texto da conversa de Deus com Abraão, segundo Gênesis, capítulo 22, versículos 12 e de 15 a 18:

- Não machuque o menino e não lhe faça nenhum mal. Agora sei que você teme a Deus, pois não me negou o seu filho, o seu único filho.

- Porque você fez isso e não me negou o seu filho, o seu único filho, eu juro pelo meu próprio nome que abençoarei você ricamente. Farei que os seus descendentes sejam tão numerosos como as estrelas do céu ou os grãos de areia da praia do mar; e eles vencerão seus inimigos. Todas as nações do mundo serão abençoadas por meio dos seus descendes, pois você fez o que eu mandei.

Esta é a história: agora vamos entender o ensinamento de Paulo.

Abraão tinha um filho único que, para qualquer ser humanizado, é o “tesouro maior” de uma vida. Mas, bastou Deus pedir como testemunho do seu amor este bem maior e Abraão, sem titubear, estava pronto para cedê-lo.

Isto é o que Paulo está nos ensinando. Deus não nos “recebe” por sermos bonzinhos, por fazermos a coisa “certa”, de acordo com os parâmetros humanos. Ele nos “recebe” pela confiança que temos Nele, pela devoção que temos a Ele, ou seja, pela capacidade de entregar a Ele aquilo que nos é mais caro.

Esta é a realidade que precisa ser compreendida. E Krishna é muito claro neste aspecto: você tem que fazer a “yajña”, ou seja, sacrificar a Deus que lhe é mais caro. E o que pode ser mais caro, mais querido, do que as suas intenções, os seus desejos e sonhos?

É isso que Krishna ensina: sacrifique a sua intenção a Deus. “Pai, eu queria isso, mas o senhor quer aquilo, louvado seja o Seu nome. Entrego ao Senhor a minha intenção e não vou sofrer por causa disso”.

Foi isto que Abraão fez. Ele queria o filho, queria vê-lo crescer, tornar-se homem, herdar e administrar suas terras, ou seja, levar uma vida humana como qualquer outro pai, mas se Deus lhe pediu o filho, todas as suas intenções foram por “água abaixo”. Abandonou tudo que queria e se voltou para Deus e disse: louvado seja o Senhor.

Esta é a fé salvadora que Paulo nos ensina. No entanto, não adianta ficarmos apenas na teoria. Sempre buscamos trazer os ensinamentos para a vida real, para o dia a dia de vocês, para que a compreensão possa ser melhor.

Desta forma, vamos supor que você quer um carro ou uma casa, ir a algum lugar, gostaria que determinada situação não estivesse acontecendo ou que outra coisa estivesse ocorrendo, mas a realidade não está de acordo com os seus desejos.

O ser humanizado, neste momento, se sente um “pobre coitado”, um “infeliz”, um “injustiçado” porque não pode nem ter o que quer... O ser espiritualizado, aquele que vive com a fé já se comporta de outra forma.

Ele diz: “a realidade não está de acordo com os meus desejos porque Deus não a fez assim. Então, Pai, eu gostaria, mas se o Senhor não me deu, louvado seja Seu nome. Vivo o que o Senhor me deu feliz por estar vivenciando a Sua graça”.

É isto que Paulo está nos ensinando. Deus nos aceita pela capacidade de agir sem vínculo ao desejo, pela capacidade de agir ligado vínculo amoroso que existe entre Ele e cada um de nós e não porque cumprimos fielmente o texto legal.

Aliás, isto também é uma questão de interpretação, pois se vivermos desta forma estaremos cumprindo os dois mandamentos que Cristo ensinou e que disse que resumia toda a lei: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

Se esta postura leva ao cumprimento da lei única, ela é, portanto, a “chave” para se conseguir a elevação espiritual. Agir libertando-se do seu desejo: não negando a existência dele, mas não se escravizando a ele, é o caminho que Cristo viveu e que o levou à ressurreição.

 O “caminho, verdade e luz que leva a Deus” é viver a vida com a seguinte compreensão: desejo você existe, mas eu não me tornar em seu escravo; vou ser feliz contigo, realizando-se ou não. Em outras palavras: Pai afasta de mim este cálice, mas se não for possível que seja feita a vossa vontade.

É isso que Paulo nos ensina e para isso nos fala da fé de Abraão: aquele que tinha vontade, que tinha um desejo, mas ao primeiro chamado de Deus abandonou tudo em nome do amor ao Pai.

Na hora que cada ser conseguir fazer isto não haverá mais “problemas” sobre o planeta e a vida será de extrema felicidade para todos.

Portanto, vocês devem saber que os verdadeiros descendentes de Abraão são os que têm fé. As Escrituras previram que Deus ia aceitar os não-judeus por meio da fé. Por isso, antes do tempo, elas anunciaram a Boa-Notícia a Abraão, dizendo: “Por meio de você Deus abençoará todos os povos da terra”. Abraão creu e foi abençoado; assim todos os que crêem são abençoados como ele foi.

Só fazer uma observação. Abraão não era judeu. Por quê? Porque até Abraão não existia o povo judeu, pois ele é o pai, o fundador da raça. Então Abraão foi o primeiro judeu, mas não nasceu judeu. Isto é importante ficar claro, pois não só os “judeus” são descendentes de Abraão, mas também todos os cristãos.

Veja bem: Abraão criou a raça judaica, aquela onde viveu a encarnação Jesus Cristo. Se nós nos dizemos seguidores de Cristo, somos, portanto, desta raça, mesmo que não seja por nascimento.

Assim sendo, tudo o que Paulo ensina para os “judeus” e “não-judeus” de então, vale para todos nós que somos, por descendência através de Cristo, “judeus”.

Os que confiam na sua obediência à Lei estão debaixo da maldição de Deus. Porque as Escrituras Sagradas dizem: “Todos os que não obedecem sempre a tudo o que está escrito no Livro da Lei estão debaixo da maldição de Deus!”. É claro que ninguém é aceito por Deus por meio da Lei, pois as Escrituras dizem: “Viverá aquele que por meio da fé é aceito por Deus”. Mas a Lei não depende da fé. Ao contrário, como dizem as Escrituras: “Quem obedecer aos mandamentos da Lei viverá”.

Porém Cristo, tornando-se maldição para nós, nos livrou da maldição imposta pela Lei. Como dizem as Escrituras: “Maldito todo aquele que foi pendurado numa cruz”. Isso aconteceu para que a bênção que Deus prometeu a Abraão seja dada, por meio de Jesus Cristo, aos não-judeus e para que todos nós recebamos pela fé o Espírito que Deus nos prometeu.

Deixe-me comentar um pouco este texto de Paulo, pois pode ser que estejam meio “perdidos”.

Paulo começa falando que a lei é “boa”, depois diz que ela é “má” e acaba dizendo que Jesus Cristo, pela lei religiosa hebréia, é mal visto por Deus porque foi crucificado. Vou falar rapidamente sobre isto porque neste mesmo estudo já tocamos no assunto e ele também foi à base do “Estudo da Carta de Paulo aos Coríntios I”.

Cristo “quebrou” todas as leis religiosas de então, pois, se ele não quebrasse a lei de Moisés, não poderia ter trazido uma nova lei. Toda lei que é criada para legislar sobre algum aspecto que já tenha sido alvo de análise, “quebra”, ou seja, altera, a legislação anterior.

Portanto, se ele trouxe uma nova lei esta quebrou a anterior, alterou a sua eficácia. Vou explicar este “quebrar” que Cristo realizou para ficar mais claro o ensinamento.

Na verdade este “quebrar” que Cristo executou não é acabar com a lei de Moisés, pois o próprio mestre disse: da lei não se tira uma vírgula nem um ponto. A quebra proposta por Cristo não está no texto legal, mas na sua interpretação: mas eu vim dar o verdadeiro sentido dela.

O sentido que Cristo alterou diz respeito à obrigatoriedade, à coerção, que estava embutida na lei de Moisés e que, por causa desta mesma característica (obrigatoriedade de cumprimento), o próprio profeta foi forçado a quebrá-la.

Moisés quebrou sua própria lei ao escravizar-se a ela, sentindo-se obrigado a cumpri-la. Se a lei, por exemplo, diz que não se pode matar, como então o profeta condenou pessoas à morte por apedrejamento?

Esta ambigüidade, que serve inclusive como argumento para alguns críticos do Velho Testamento, só existia porque Moisés era escravo da lei e nem percebia que a estava ferindo querendo cumpri-la ao “pé da letra”.

Voltando, então, ao real sentido que Cristo trouxe para lei, quem se prende aos Dez Mandamentos como código irretocável, deixa de matar porque estava proibido agir desta forma. Para estes o cumprimento da lei é feito pelo medo, pela coerção.

Pela lei de Cristo matar ou não fazê-lo (a ação) deixa de ser o importante, o que deve ser legislado, mas o que realmente importa é ter a consciência amorosa. Por isto o mestre resumiu toda a lei nos dois mandamentos amorosos, ou seja, ele legislou sobre o sentimento e não sobre a ação.

Quando o ser humanizado cumpre a “nova lei” alcança a consciência amorosa e aí, continua não matando, mas não por medo de represálias, mas por não querer trazer sofrimento ao próximo.

Pela lei de Moisés quem mata pode ser “condenado” pela sua ação, mas pela de Cristo, esta condenação surge não pela ação, mas pela alteração de freqüência sentimental: o não amor. O espírito que fere a lei de Cristo é “condenado” (gera um carma) não por matar alguém, mas por não amar.

É este ponto onde Cristo “quebra” a lei: o cumprimento por coerção (“eu não mato porque é proibido”). Isto de nada vale aos olhos de Deus, pois permanece o desejo de matar e como Cristo ensinou, se o ser humanizado apenas desejar já terá adulterado.

Portanto, para se seguir os ensinamentos de Cristo é necessário silenciar o desejo, pois ele é oriundo da ausência do amor ao próximo, da consciência amorosa.

Então, Cristo “quebrou” a lei de Moisés, mas isto não quer dizer que não manteve o cumprimento dela. O que alterou foi a forma como se relacionar com a lei: não mais com uma obrigatoriedade, mas com uma consciência amorosa de não ferir ao próximo.