Realidade

Krishna e a realidade

Bhagavad Gita

23. As armas não o cortam, o fogo não o queima, a água não o molha e o vento não o seca.

24. A este ser não se lhe pode cortar, nem queimar, nem molhar, nem secar; é eterno, onipresente, estável, imóvel e primordial. (Bhagavad Gita, capítulo 2)

Temos que compreender que nada pode afetar ao ser, a não se que ele se afete. Nada pode lhe cortar, queimar, entristecer, preocupar, a não ser a preocupação, o corte, a queimadura ou o sofrimento que você mesmo crie para você.

Este é o ensinamento que Krishna traz: nada pode lhe atingir... Apesar disso, se eu pegar uma faca agora, corto o seu corpo físico, não é mesmo?

Participante: Sim...

Apesar desta sua resposta continuo insistindo no que Krishna falou: nada pode lhe atingir, nem mesmo nas coisas físicas... Vamos entender isso...

Mostre-me o seu braço... Este é o seu braço? Não, este não é o seu braço. Isto porque esta forma não é a menor partícula que compõe o que você chama de braço. Dentro desta forma que você está me mostrando e chamando de braço, há carne, osso, veia, sangue, músculos e terminais nervosos. Estes elementos são o braço...

O que você olha e vê, não é o seu braço, porque aquilo que chama de braço é um somatório de coisas. Todo seu corpo é um somatório das coisas que listamos, mas estas ainda são formadas por outras: as células...

Sendo assim o seu braço não é isso que você me mostrou, mas cada uma das células que compõem esta forma... A partir daqui podemos ir mais longe no ensinamento de Krishna. Se eu abrir um buraco no seu braço estarei cortando a célula dele? Não, estarei seccionando, separando elementos do braço, mas não o estarei cortando.

Eu não posso cortar o seu braço porque não posso cortar uma célula que compõe qualquer dos seus elementos... Eu posso separar moléculas, não cortá-las.

Então, não é só o espírito que não é cortado, mas o corpo também não...

Participante: Acho que o seu raciocínio não condiz com a realidade nossa...

Está certo: não condiz com a sua realidade... Por quê? Porque vocês não vão além do que vêem... Você está vendo um braço, mas dentro dele tem coisas. Este é o tema que quero abordar a partir deste ensinamento de Krishna...

Este não é um mundo real, mas sim um mundo de percepções. Na verdade, o braço não existe: ele é uma percepção que você tem ao olhar para um determinado grupo de células. Esta realidade serve tanto para o mundo espiritual como para o material, porque, na verdade, este membro é um conjunto de células que chama de braço.

Agora, se você tivesse uma visão mais aprofundada, se pudesse ver mais microscopicamente, chamaria outras coisas de braço e não o que chama hoje. Isso porque não veria esta forma, mas sim a carne, os músculos, as veias e o sangue correndo, da mesma forma que vê estes elementos no microscópio...

Participante: Apesar disso, ele não deixa de ser um braço...

Quando você não mais se prender a forma e compreender que ela é formada por outras coisas, terá que dar um novo nome a estas coisas, pois braço é o conjunto que percebem hoje e não o que está dentro...

Então, é a percepção, o seu olho que cria o braço... Na verdade ele é um conjunto de células que você chama de braço. Outro conjunto chama de perna. Para você, são dois elementos diferentes, mas se observamos o interior, veremos que eles são iguais. A perna e o braço são formados pelos mesmos elementos (células). Por que você distingue um do outro? Porque só consegue ver a perna e o braço pela sua forma compacta e não pelo que eles realmente são: as células...

Se você não visse o braço e a perna pelas suas formas compactas, diria que é tudo igual... Veria que na realidade os dois conjuntos são formados pelo mesmo elemento e, portanto, são iguais.

Disso nos sai a certeza de que a realidade do mundo, do Universo, é muito além do que as percepções que vocês têm. Por isso afirmo: tudo que o ser humanizado conhece é apenas uma percepção e não a realidade...

Além do que vocês vêem, sentem, provam o sabor, do que cheiram ou ouvem, existe muito mais coisa. Ou melhor: existem coisas que compõem o que vocês vêem e vocês não vêem estas coisas...

Participante: Uma forma de se desligar do macro seria a meditação?

Uma forma de se desligar do mundo das percepções é compreender que tudo é percepção...

Na hora que compreenderem que um braço é apenas uma percepção e não uma realidade, estarão buscando algo mais do que percebem. Mas, enquanto acreditarem que o que vêem é realidade, conviverão com a percepção como se ela fosse real...

Participante: Tenho tentado me desligar das percepções, mas não tenho conseguido. Tem como viver sem elas freqüentemente?

Não estou falando em viver sem percepções, mas estar acima dela. Deixe-me dar um exemplo...

Os orientais falam muito da terceira visão. Mas, o que é a terceira visão? Uma visão além da percepção do olho. Perceba que eles não falam em trocar uma visão por outra, mas em alcançar algo que veja além do olho humano. Sendo assim, quando você alcançar esta visão, que é dita como espiritual, continuará tendo as percepções que hoje tem pelo olho. O que acontecerá é que terá a consciência de que a sua visão de hoje é apenas uma percepção. Com esta consciência poderá, então, buscar através da meditação ou de qualquer outro trabalho de elevação espiritual superar o mundo perceptivo. Neste momento poderá receber de Deus a terceira visão, ou a compreensão de que existe algo que você não percebe, mas que está compondo o que vê...

Participante: Um desligamento das percepções?

Não um desligamento delas, mas a percepção além do sentido da carne...

Participante: A meditação pode ser um exercício para isso?

Na verdade não há um exercício para se receber esta consciência: ela será recebida de Deus... Pela busca espiritual, pelo trabalho da reforma íntima, você poderá merecer receber...

Participante: Então não é negar a percepção, mas negar que ela é a realidade...

Sim. Negar que a percepção é real. Gosto de laranja estragada, por exemplo. Não existe isso: existe um gosto que você chama de laranja estragada.

É preciso estar além do mundo perceptivo... Para isso é preciso ter a consciência de que não existe um gosto de laranja estragada, mas uma criação perceptiva que o ego chama desta forma. A partir desta consciência, você poderá ficar além do gosto criado pelo ego e poderá, então, receber de Deus o sabor universal.

Então, quando Krishna diz que o ser humanizado não pode ser cortado, é porque o ser humano se corta, se molha ou se queima.... Ou seja, tem a percepção de que isso acontece, mas na realidade isso não ocorre. Á partir deste ensinamento, aqueles que buscam entrar em unidade com Deus precisam compreender que este é um mundo de percepções. Além disso, precisam saber que um mundo perceptivo não é um mundo real, mas um mundo individual...

Este mundo, por ser perceptivo, é apenas o que você percebe e compreende restritamente. Por causa das suas restrições você acredita que a água molha, mas isso não é real, porque o sentir-se molhado é apenas uma percepção que está tendo.

O espírito precisa se desligar deste mundo perceptivo porque se ficar preso à percepção como realidade, viverá preso à reencarnação, ao processo reencarnatório ou de reidentificação. Isto porque as percepções estão presas às sensações de prazer e dor...

É por isso que Buda diz: você não pode ter paixão pelas suas percepções. Não adianta se apaixonar por uma percepção porque isso só lhe prende ao mundo do nasce e morre. Esta prisão acontece porque no Universo não existem estas percepções...

Quando falo em paixão, falo de positiva ou negativa: querer ou não querer.

16. O irreal jamais existe; o Real nunca é inexistente. Os sábios percebem claramente esta Verdade!

O que é irreal? O que é uma coisa irreal? O que não é real. Isto quer dizer que o irreal não existe, pois ele não é real...

Mas, o que é real no Universo? Deus e Sua ação... Isto é a única coisa que existe no Universo. Todo o resto é irreal...

Calor não é calor: é a ação de Deus... Espírito não é espírito: é a ação de Deus...

É isso que vocês precisam compreender: o que é irreal jamais existe e a única coisa que é real neste Universo – e deixe-me dizer que não existe outro antes que vocês me perguntem sobre isto – é Deus e Sua ação. Tudo aquilo onde você não encontrar Deus e Sua ação é irreal e nunca existiu.

Nunca existiu, mesmo que você acredite ao contrário, porque o irreal não existe. Só Deus e Sua ação é a realidade... Por que isso? Porque o resto das coisas não existe? É preciso compreender esta máxima para poder viver com Deus e Sua ação...

Participante: Porque só Deus tem condições de gerar qualquer coisa no Universo...

Mas, porque só Deus tem condições de gerar qualquer coisa no Universo? Pergunto isso porque quando você me responde desta forma está dando um poder a alguém pelo próprio poder. Isso não existe no Universo. O poder, universalmente falando, é conferido a alguém por elevação moral e não por Ele ser poderoso...

Volto a perguntar: porque só Deus e Sua ação é realidade? Vou lhes responder...

Pegue diversas gotas de água e as olhe que no microscópio. Você irá perceber que os a átomos destas gotas estão em perfeitas combinação: H2O. Qualquer que seja a água que observe, irá encontrar a mesma coisa.

Além disso, irá ver que os átomos de qualquer gota estão dispostos de maneira igual. Se por um acaso um deles não estiver na mesma posição, o que você terá não será mais água. Poderá ser qualquer outra coisa, mas não mais água...

É preciso compreender isso: qualquer desarmonia ou desorganização nos elementos que compõem um todo altera o produto final. Sendo isso verdade, posso dizer, então, que quando houver qualquer desarmonia no Universo, ou seja, quando qualquer dos seus componentes faltar ou sobrar ou estiver em posição errada, isso mudaria o Universo que conhecemos e com isto acabaria com ele.

O Universo é perfeito: é o equilíbrio perfeito, a harmonia perfeita. Na hora que isso for quebrado, o Universo acaba. Poderá ser qualquer outra coisa, menos Universo.

Por isso Deus e Sua ação é a única realidade. É a ação de Deus que faz o equilíbrio do Universo de uma forma perfeita e só Ele pode obter este produto final, pois é a Inteligência Suprema. Se Deus não agir e em seu lugar qualquer outro elemento universal agisse, ria desequilibrar o Universo e aí não seria mais Universo.

Deus e Sua Ação é a única coisa real no Universo, porque Ele, através dela, é o único capaz de manter o Universo em perfeito equilíbrio eternamente. Sendo Deus a Inteligência Suprema, ele é o único com capacidade perfeita de análise da realidade para dar, através da Sua ação, a cada um segundo as suas obras, ou seja, manter a justiça sempre presente.

Se você deixar um átomo da água livre, seus componentes irão se embaralhar e com isso não será mais água. Se deixar o Universo na mão de alguém que não possa manter a Justiça Perfeita, ele acabará...

Participante: Li uma reportagem em que falava exatamente disso. Se deixarmos um átomo de hidrogênio, por exemplo, livre, ele pode causar uma explosão destruidora.

Sabe do que você está falando? Da bomba de hidrogênio... A bomba de hidrogênio existe a partir do desequilíbrio de um átomo de hidrogênio em um todo...

Por isso lhe repito: se Deus não for a única ação, o Universo pode explodir, porque qualquer desequilíbrio acaba com ele. A simples ação de dizer para alguém que ele é bobo, se não executada dentro do princípio de Justiça Perfeita, acabaria com o Universo. Foi isso que Cristo quis dizer quando afirmou que se você apenas chamar outra pessoa de boba, terá que apresentar ao tribunal.

Até isto, que aparentemente parece um comentário sem maiores implicações, se feito por livre vontade de alguém que não possua a capacidade perfeita de análise da realidade, ou seja, que possa dar a alguém que não merece esta qualificação, destruiria o Universo.

Participante: O equilíbrio ao qual o senhor se refere vem depois?

Depois do que? Depois do desequilíbrio? Depois do desequilíbrio só poderá vir o nada, porque, ao desequilibrar, o Universo acabou...

Participante: Eu não consigo entender isso... Eu não consiga imaginar esta ação...

Porque você como ser humano, não consegue ver nada além da suas percepções. Não consegue ter a idéia do todo onde Deus age.

Participante: Então, Deus tenta eternamente manter o equilíbrio?

Não, Deus não procura manter: mantém. Vocês tentam manter-se equilibrado, mas Deus, que sabe o que faz, sempre o mantém.

Participante: Era isso que eu queria saber. Ele reequilibra o Universo?

Não, ele não reequilibra porque o Universo não se desequilibra. Para que o equilíbrio esteja sempre presente, Deus age antes.

Não se esqueça que Ele tudo sabe, por isso, age antes para que o desequilíbrio não aconteça. Ele sabe qual será a próxima reação do espírito e já comanda uma ação que mantenha o equilíbrio frente a esta reação.

Você, quando vê uma coisa que considera errada, acredita que ali há um desequilíbrio. No entanto, este algo está na verdade equilibrando o Universo. Deus, que comandou esta ação sabia que a opção do espírito poderia criar um desequilíbrio e agiu antes para que isto não acontecesse...

Perceba que estamos falando em equilíbrio e não em certo. Se todas as coisas fossem certas ou amorosas, não haveria equilíbrio. Para que o equilíbrio exista, o aparente amor e desamor precisam existir em quantidades iguais.

Deus, que sabe a reação de cada espírito aos acontecimentos da vida antes dela acontecer, cria o futuro para que jamais o Universalismo e o individualismo existam em proporções desiguais.

Participante: Mas o Universo tem uma tendência a se desequilibrar em algum momento, não?

A tendência para o desequilíbrio é algo que você imagina que exista. Não se esqueça que se Deus soubesse de algo que pudesse gerar uma tendência a desequilibrar o Universo, Ele agiria antes, evitando assim o suposto desequilíbrio.

O desequilíbrio nunca ocorre e nem é iminente, porque Deus retroage, ou seja, age antes da ação do espírito para que o equilíbrio jamais se perca. Quando Ele age já sabe a reação de todos os espíritos do Universo àquela ação e, por isso, é capaz de agir de tal forma que o produto final jamais se altere.

É por isso que só Deus e Sua ação é a realidade, pois só Ele pode manter coeso e equilibrado o Universo... Se entregássemos a causa primária na mão de outro espírito – e repare que não estou falando apenas nas nossas, mas na mão de Cristo, por exemplo – acabaria com o Universo num micronésio de segundo. Na mão de Cristo, governador-geral deste planeta, a causa primária explodiria o Universo.

Por quê? Porque ele não é a Inteligência Suprema. Ele não possui a capacidade suprema de dar a cada um segundo a sua obra.

Bhagavata Puranas

7. Tudo o que acreditas conhecer através dos ouvidos, dos olhos, da consciência, da palavra e tudo mais, dá-te conta de que é uma ficção do pensamento, simples fantasmagorias, destinadas, portanto, a perecer.

Sem a consciência citada por Sri Krishna neste versículo, jamais você será um senhor da mente, ou seja, sem a conscientização de que a razão (idéias transmitidas pelo pensamento), as emoções (o que imaginar sentir) e as percepções (audição, olfato, paladar, visão e sensibilidades do corpo físico) que lhe vêm à consciência são criações do ego e não suas, nada pode ser feito no sentido da reforma íntima. Sem compreender que tudo que o ego cria está destinado a perecer, pois não são verdades e sim fantasias fantasmagóricas, nada pode ser feito.

Não adianta você querer ser senhor da mente sem entender que a mente não existe na realidade e sem conscientizar-se de que você pode libertar-se dela.

Disseram-me o seguinte a pouco: ‘as pessoas dizem que nós somos frios...’ Agora posso responder melhor a esta pessoa... Não, ninguém diz isso: o seu ego cria a percepção e a razão que lhe diz que os outros falaram.

Portanto, mais do que não ligar para o que os outros falam, é preciso ter a consciência de que ninguém falou e que nenhum som foi proferido por outro. Tudo nasceu dentro de você, como criação do seu ego. Agora, se, acreditar no que o seu ego diz e achar que os outros falaram, nada terá realizado, mesmo que consiga suplantar a emoção (neste caso desconforto) que o ego criará dentro de você como resposta para quem falou.

Saiba que o senhor da mente age sempre que a mente funciona dizendo: ‘isso é uma fantasia fantasmagórica e não uma realidade. Não sou eu que estou pensando, sentindo ou percebendo isso, mas sim a minha segunda personalidade... Ela está percebendo, sentindo e pensando, não eu’.

É esse o trabalho do senhor da mente: fazer com que o seu ego raciocine em sistema de dupla personalidade. Como eu disse anteriormente o trabalho do ‘senhor da mente’ é racional e, portanto, é precise que ele consiga fazer com que o seu ego raciocine que o raciocínio não é seu, mas apenas dele e que ele não é real, mas simples fantasmagoria.

Na afirmação acima está embutido todo o trabalho do senhor da mente, todo o ensinamento de como se controlar a mente: fazê-la raciocinar a partir da existência de uma dupla personalidade e atribuindo tudo que surge à consciência ao personagem (ego) e nada a você mesmo. Controla a mente aquele que faz o ego racionalmente atribuir a você mesmo nenhuma percepção, emoção ou razão.

Agora como disse, isto é apenas um caminho... Mais tarde este raciocínio que surge baseado na dupla personalidade precisa acabar, mas por enquanto é necessário como caminhar.

8. O homem que não vigia seus pensamentos cai no erro de acreditar na multiplicidade das coisas. A crença na pluralidade conduz às egoístas impressões de mérito e demérito. As diferenças que parecem existir nas ações, nas não ações (ou indolência, neste caso) e nas ações ruins só dizem respeito ao homem que pensa no mérito e demérito.

Vamos estudar este versículo em partes. Inicialmente vamos ver a primeira frase: O homem que não vigia seus pensamentos cai no erro de acreditar na multiplicidade das coisas.

Toda razão, emoção e percepção criada pelo ego é chamada no planeta Terra como dualista, mas na verdade ela não é dual: é múltipla. Digo isto porque para o ser humanizado não existe só o bom e o mau: existe o bom, o pouquinho bom, o melhor, o ótimo, o quase bom... Ou seja, são múltiplas as emoções e as razões do ser humanizado que o ego que cria. Ele não trabalha apenas com dois fundamentos para dar valores à vida, mas vivencia múltiplos graus de valores nos acontecimentos da vida.

O seu ego jamais conseguirá entender a unidade porque ele não é previsto para isto. Ele é formado em multiplicidades enquanto o universo é unidade.

Então, quando Krishna ensina que o senhor da mente controla seus pensamentos para não se deixar se levar pela multiplicidade, ele não fala que o ser que consegue dominar o seu ego precisa criar uma razão única ou em unicidade, porque esta razão universal jamais acontecerá aos egos humanos. O que este ser precisa é controlar os seus pensamentos para não acreditar na multiplicidade que estes pensamentos e emoções são fundamentados.

Eu venho insistindo neste ponto: O senhor da mente não muda a mente, mas a domina. É diferente... Por isto o termo senhor da mente.

Mudar a mente, isso você faz em qualquer escola. Você coloca novos valores que se sobrepõem a velhos e para isto não precisa de nenhum esforço. Agora, controlar a mente a tal ponto que você seja livre para acreditar nela ou não, é ser senhor da mente, é ser senhor dela.

Então, este é o primeiro detalhe deste estudo: o senhor da mente precisa saber que o ego trabalha com realidades múltiplas enquanto o universo é uno. A partir disso, ele vai trabalhar para dominar a multiplicidade que o ego impõe.

Vamos ver a segunda parte: As diferenças que parecem existir nas ações, nas não ações (ou indolência, neste caso) e nas ações ruins só dizem respeito ao homem que pensa no mérito e demérito.

Veja como Krishna abrange todo e qualquer tipo de ação: a ação propriamente dita, a indolência - não vou utilizar o termo não ação - ou ação ruim, ou seja, ações boas, ruins ou omissão. No entanto Krishna diz ainda sobre elas: que parecem existir... Ou seja, só a crença no mérito e demérito, que faz parte da multiplicidade que esta no ego, julga e determina um tipo para a ação.

Esse é o ensinamento do mestre. Vamos agora conversar sobre ele...

Não existe certo ou errado, bom ou mau, bonito ou feio. Por quê? Porque como Krishna ensina no Bhagavad Gita - e como Cristo também falou - o universo é emanação de Deus. A emanação ocorre quando o próprio Deus gera as coisas. Ou seja, tudo vem de Deus diretamente e Ele não pode gerar o bem ou mau, porque senão seria duplo, ou pelo menos instável, inconstante... Deus é imutável, assim ensinam os mestres. Portanto, tudo o que vem de Dele é uno e único, e, por isso, não pode possuir mérito ou demérito.

Mas o ego, como é formado na pluralidade, trabalha com estes valores... Ou seja, algo emana de Deus e o ego classifica esta emanação como bem ou mal, certo ou errado, bonito ou feio.

O homem decaído - o espírito que está ligado a um ego que não contém valores universalizados - acredita nisso. Acredita que existem coisas boas a serem feitas e que existem coisas más que podem ser feitas. Acredita que alguma coisa ou lugar pode ser belo e outro feio, que algo pode estar limpo ou sujo, arrumado ou desarrumado. Mas o homem lúcido, ou senhor da mente, não acredita.

Volto a repetir e vou falar praticamente em todos os versículos que estudarmos: o ego do homem lúcido - ou espírito ligado a uma mente que possui conceitos universalizados - ainda trabalha com a sensação de mérito ou demérito racionalmente, de acordo com a percepção e a emoção que este mesmo ego cria. Mas este espírito não acredita nisso. Ele diz a si mesmo: ‘ego, isto é criação sua’, ‘isto é do personagem’, ‘isto é desta outra personalidade que não sou eu’.

A personalidade pode até ter um mérito ou demérito, mas o espírito que aprende a conviver universal e espiritualmente com a sua personalidade transitória não se deixa levar por esta razão criada pelo ego.

Vocês viram o que falei lá no trabalho do carma? O quanto é importante mantermos acesa esta chama desta discussão do trabalho contra o ego? Este é o aspecto mais importante de sua vida. Sabe por quê? Porque você nasceu para isso, apesar de não haver nascimento, pois o que existe é uma encarnação. Portanto, você encarnou para isso. Mas encarnação também não é vir à carne, mas ligar-se a uma consciência transitória para executar suas provas.

Sendo assim, posso dizer que vocês se ligaram a esta consciência que estão hoje para aprender a libertar-se das classificações de mérito e demérito que ela cria. Transformaram-se em Maria ou José justamente para provarem que são capazes de permanecer puro, simples, mesmo com o diabo - que é esta personalidade - lhes tentando.

Sabe quem é o ser humano que você acha que é e que tanto defende? O diabo, o tentador do espírito... É aquele que depois de quarenta dias e quarenta noites no deserto vai tentar o Cristo. É o mesmo.

A Maria que você ama tanto, que você defende tanto, é o diabo da sua vida. O José que você cultua tanto é o diabo na sua vida...

Maria e José são nomes do diabo e quando você trabalha para o nome que imagina ser você, está cultuando o diabo. Quando embeleza a Maria e a defende dos outros, quando quer as coisas para atender aos caprichos dela, você esta cultuando o diabo.

Esta é uma consciência que o senhor da mente tem: ele não cultua o diabo, ele cultua a Deus e diz ao diabo: ‘sai daqui satanás’!

9. Portanto, controlando teus pensamentos e os sentidos que eles contaminam, observa a este Universo como se estendesse em teu próprio Íntimo e encara o teu ser como descansando em Mim, o Senhor Supremo da Yoga e da Mente.

Primeiramente vamos ver uma grande afirmação de Krishna neste ensinamento que o senhor da mente tem que estar sempre consciente dela: o pensamento contamina o sentido, ou a percepção. Olha que frase interessante... Vamos falar sobre isso...

Você, através da percepção criada pelo ego, vê uma mão se locomover de um determinado ponto até o seu rosto. Logo em seguida o pensamento contamina esta ação dizendo: ‘você foi agredido’; ‘aquela pessoa é um agressor’; ‘aquela pessoa não presta’; ‘ela merece receber o troco’.

É esta contaminação, ou criação de uma realidade egoísta, que o ego cria para testar o seu egoísmo, o que é o objetivo de sua encarnação. O senhor da mente compreende que aquela razão não é verdadeira, mas uma contaminação, uma poluição que o ego está criando para uma determinada percepção que ele mesmo criou, com o objetivo de gerar um carma que, se vencido, trará louros à encarnação.

Mas, veja só que Interessante...

Os seres humanos, na sua maioria, estão preocupados com a poluição do planeta. Preocupam-se em não jogar papel no chão, em não derrubar as florestas, com a limpeza do rio, mas não se preocupam com a poluição que o seu ego cria que contamina o mundo perceptivo. Eles não estão nem aí para esta poluição: aceitam tudo que o ego cria como realidade. Vivem na lama, na podridão criada pelo ego: nada presta, o mundo é ruim, todos são errados...

Grande ser humano: preocupa-se com a fumaça e o lixo, mas acaba poluindo muito mais o mundo quando quer julgar os que jogam sujeiras na atmosfera ou nos rios...

É esta consciência que o senhor da mente precisa ter e é esta consciência que pode agir como ácido para aquela pessoa que, anteriormente, me perguntou se não havia um ácido para derreter o ego...

Na hora que cada ser humanizado se conscientizar que o seu processo racional é o seu diabo e polui a sua vida, será preciso fazer alguma coisa contra isso. Ou seja, se conscientizará que é preciso controlar a mente para poder viver no paraíso...

Mas, enquanto o ser humanizado achar bonita as poesias criadas na mente a respeito da natureza e achar certo o criticar os outros, continuará dominado pelo ego e continuará a poluir o mundo perceptivo aceitando as ilusões criadas pelo ego.

Lembro de uma pessoa que estava em outra palestra quando afirmei que o espírito elevado é aquele que não reage quando toma uma tapa na cara. E ele, espírita, freqüentador assíduo, estudioso e palestrante, disse: um ser humano não pode reagir assim.

Aí eu disse: mas o próprio Cristo ensinou que se deve oferecer a outra face. Como é que você que se diz cristão não aceita este tipo de reação? Neste momento ele afirmou: Ah, mas é preciso ter coragem para fazer isso.

Contei esta passagem para poder dizer o seguinte: para ser senhor da mente, antes de mais nada, é preciso ter coragem de não ser um ser humano... É preciso ter coragem de enfrentar a humanidade; não a dos outros, mas a sua mesmo: os seus desejos, as suas paixões e as suas poses. É preciso se olhar no espelho sem máscaras, sem falsidades consigo mesmo. Cristo ensina: ai de vocês, professores da lei, fariseus e hipócritas, que limpam o exterior, mas não têm coragem de limpar o interior... Sim, para ser senhor da mente, para limpar o seu interior, é preciso ser muito macho... É preciso muita coragem. Agora, esses herdarão o reino do céu, gozarão da felicidade que Deus tem prometido a cada um.

Mas o ensinamento de Krishna não para por aqui. Ele ainda afirma: observa a este Universo como se estendesse em teu próprio Íntimo e encara o teu ser como descansando em Mim.

Sabe por que o ser lúcido oferece à outra face? Porque ele não é a face. Ele está em Deus, repousando no Senhor e o Pai não dá tapa na cara de ninguém.

Juntando agora este ensinamento com o que já havia falado, posso dizer que a coragem que citei como necessária para se tornar um homem lúcido é a de repousar em Deus, sem prestar atenção a mais nada.

É isto que os seres humanizados não têm coragem de fazer: de repousar em Deus. Querem estar sempre atentos à vida e, por isso, se ligam aos pensamentos, emoções e percepções criadas pelo ego, imaginando que assim vão agir e conseguir evitar o mal - aquilo que eles não gostam - para si.

É, para ser o homem lúcido é preciso ter muita coragem, porque aquele que se torna senhor de sua mente abri mão do controle da vida e repousa em Deus. Ele vive, como já falei no estudo do monismo, o nada, cuja vivência, como conversamos durante o estudo dos carmas humanos, é o grande mistério da fé: se atirar no vazio sem nenhuma percepção. Isto é repousar em Deus e para viver desta forma, é preciso ser ‘muito macho’, ou ter muita fé: confiança e entrega a Deus.

A grande maioria dos seres humanizados não consegue dar este salto no vazio. No entanto, só não conseguem por que não fizeram o trabalho para ser senhor da sua mente e acabou escravo dela.

Participante: E quando o pensamento é mais forte e parece nos dominar?

É sinal de que você é fraco... Aliás, você mesmo disse isso na sua pergunta ao afirmar que o pensamento é mais forte que você.

O objetivo deste trabalho é exatamente este: aprender o caminho para ser mais forte do que o pensamento. Agora como eu já disse anteriormente, a realização dele é passo a passo. Por enquanto o seu pensamento ainda será mais forte, mas conforme formos avançando serão criadas oportunidades para que você tenha mais condições de ser mais forte do que ele.

Mas, para isso, terá que ter a coragem que acabei de falar: entregar-se ao nada, ou seja, de não se deixar levar – acreditar como real - pelas emoções, pensamentos e pelas percepções contaminadas.

Participante: como conciliar a vida em Deus e o cotidiano do dia a dia (comer, trabalhar)?

Responda-me uma pergunta, por favor: para que um ser humano trabalha? Para que um ser humano come, namora, estuda? Ou seja, qual o objetivo final de todos os atos da vida humana?

Participante: Come para nutrir o corpo...

Para que ele quer nutrir o corpo?

Estou perguntando pela finalidade final de toda uma vida. Por exemplo, porque um ser humano quer ter um filho? O que ele espera durante a vivência na relação com este filho, com a esposa, com a comida... Qual é o objetivo mais intrínseco da vida de um ser humano?

Participante: Trabalha para ter sustento para se nutrir...

Não, todos os atos humanos possuem uma única finalidade, um único objetivo que nem sempre é alcançado: ser feliz.

Todo ser humano come para ter a fome aplacada e com isso estar feliz e em paz...