A dinâmica do não sofrimento

Conversando sobre o não sofrer

Participante: Será que um dia nós conseguiremos treinar esta maneira de agir e determinada pessoa não mais me incomodará?

Não. O não sofrer não passa por deixar de sofrer em situa-ções idênticas sempre. No estado de não-sofrimento a outra pes-soa continuará lhe incomodando, mas você não mais viverá o in-comodo.

Você ainda está falando exatamente dentro do que disse no início desta conversa: nós não sabemos ser felizes. Ainda espera-mos que a felicidade seja a resultante da mudança do outro para aquilo que esperamos e desejamos dele, esperamos que a vida se mude...

Não estou falando que com o trabalho do não-sofrimento o outro se mudará, ou seja, deixará de fazer aquilo que lhe faz sofrer: estou dizendo que quem tem que mudar é você. O outro continuará lhe incomodando e você aprenderá a viver com o incomodo que ele lhe traz sem sofrer.

Este, portanto, é o não-sofrimento. Ele não se trata em fazer com que o outro pare de lhe incomodar, mas sim, de cada um fazer com que o outro não lhe incomode. O outro continua nos incomo-dando, criando incomodo para nós, só que este incômodo não nos incomoda.

Participante: Mas, e quando o sofrimento não ocorrer por conta de outros, mas por causa de si mesmo?

É a mesma coisa... Precisamos aprender a conviver com nosso interno sem sofrer, mesmo que ele nos cause sofrimento...

Participante: Aprender a conviver com o sofrimento e reprimir o sofrimento são coisas distintas, certo?

Eu não acredito que ninguém seja capaz de reprimir o sofri-mento. Digo isso, porque quando se vê, o sofrimento já se instalou e tomou conta de você. Acho que o que pode ser feito é aprender a viver com o sofrer depois que ele se instala. Aprender a reprimir, ou seja, conseguir não deixar que o sofrimento instale, não vejo como isso seja possível.

As coisas acontecem e temos pouco ou nenhum controle so-bre o acontecimento delas... Neste momento, por exemplo, esta-mos todos aqui conversando em paz e tranquilidade, mas quem me garante que este estado de espírito permanecerá em cada um daqui a cinco minutos? Pode acontecer algo que ninguém cause especifi-camente, mas que acabe com a felicidade de alguém aqui presente.

Por isso digo: não temos como reprimir o sofrimento. O que podemos fazer é depois que ele vem, aprender a vivê-lo de tal for-ma que não o deixemos nos fazer sofrer mais.

Participante: Devemos, então, sermos indiferentes a tudo?

Muito já se falou em indiferença por aqui, mas eu, particular-mente, não acho possível sermos indiferentes a alguma coisa. Isso porque o sofrer chega sem que você perceba.

Não há como criar um estado de indiferença contínua. O má-ximo que podemos conseguir – e aí eu concordo com você – é nos tornarmos indiferentes depois que o sofrimento chega.

Portanto, tudo acontece com você: a raiva, a chateação, a perturbação, etc. Quando estas coisas acontecem, você perde a indiferença, mas depois que elas acontecem, você pode se tornar indiferente a elas.

Assim eu acredito na indiferença...

Participante: Ignorar o sofrimento é não sofrer?

Não dá para ignorar o sofrimento. Não sofrer é vivenciar o sofrimento com dignidade.