Tragédia em Santa Maria

As carências

Quero aproveitar esta oportunidade e lembrar o que falei na Festa de Nossa Senhora. Lembro que abordei muito a questão de vocês estarem vivendo uma vida onde, aparentemente, bastava desejar para conseguir, bastava querer para ter, e quando o fiz disse que este período iria acabar. Agora, vocês e muitos, já estão começando a ver que isto está acontecendo. No curto tempo que marca aquele encontro, do início de dezembro, até hoje, muitos já podem ver que a bonança está passando.

Esta percepção é muito mais importante do que o que aconteceu em Santa Maria. Ela fala muito mais diretamente ao trabalho de vocês, no sentido da caminhada espiritual, do que o que aconteceu hoje naquele lugar em que os jovens estavam dançando.

As notícias do que está acontecendo no país de vocês estão aí: o sonho paradisíaco do brasileiro está começando a cair por terra. Aqueles que se ufanavam com a prosperidade que era vivida, já perceberam que o fenômeno do ‘querer e ter’ foi produzido artificialmente. Apesar disso, muitos ainda vivem a ideia de que basta querer para ter, que as condições para isso aparecem. O que esses seres não veem, é que por causa desta ideia, estão preparando a cama para eles amanhã.

Lembro que uma pessoa, quando estávamos terminando a primeira parte da conversa na Festa de Nossa Senhora, me perguntou: “Joaquim você só está falando em adquirir bens materiais; fale um pouquinho mais desse novo tempo com relação às outras coisas”. Naquele tempo e agora, pode parecer que estou insistindo num ponto sem importância, conseguir o que se deseja ter, principalmente quando nos referimos a objetos materiais, mas esta falta de importância não é real. Para vocês, mesmo aqueles que se dizem espiritualistas, ter possui importância, mesmo quando falamos de objetos materiais.

Quantas vezes tivemos reunião onde as pessoas diziam que não se interessavam por coisas materiais, mas cada uma delas tinha no bolso um celular? Não estou falando apenas de ter um aparelho, mas o que podia se notar é que eram aparelhos novos e de tecnologia avançada, o que nos leva a crer que se tratavam de aquisições recentes. Por isso, afirmo que o discurso não bate com a realidade: apesar de dizer que não se interessavam, o interesse pelas coisas materiais estava estampado nessas pessoas, inclusive em suas perguntas, que sempre se baseavam no conseguir algo.

 Portanto, o que está começando a acontecer no aspecto econômico do Brasil é o mais importante hoje na caminhada de vocês. Não digo isto por conta de ter ou não, por poder comprar ou não, mas porque atrás do desejo de comprar existe uma posse moral, uma posse material e uma posse sentimental. Essas posses, como já conversamos, levam à paixão e ao desejo, e por isso o ser humanizado vive em sofrimento.

“Por que que ele pode ter e eu não? Eu mereço ter a mesma coisa que ele ... Por que eu não posso comprar o mais moderno, se eu gosto das coisas mais avançadas tecnologicamente? Eu trabalho o dia inteiro, porque não posso ter o que quero?”

São para essas formações mentais, que estão por trás do ato físico que vivem, que vocês ainda não acordaram. Por isso, ainda não se entregaram a lutarem para não se identificarem com essas coisas, para se libertarem delas.

Para alguns, hoje ainda é possível realizar o sonho de ter. Por isso, o que estou falando parece sem importância. Só que apesar do curto espaço de tempo entre aquela conversa e esta, outros que conseguiam, já não podem mais realizar o sonho. Por isso, o não poder comprar o que quer começa a doer.

Essa dor precisa ser atacada. É muito mais importante, no sentido espiritual, hoje, atacar essas posses do que lamentar os mortos em Santa Maria, ou buscar os culpados para o que aconteceu.

Este ataque, no entanto, não pode ser feito com remedinho paliativo – “se não consigo comprar o que é mais moderno, vou me contentar com esse que é quase igual àquele” – mas precisa ser feito na raiz da dor. O ataque que pode ajudar aquele que quer aproveitar a encarnação nos dias de hoje, é feito na raiz que está escondida e que vocês não veem: a posse, a paixão e o desejo.

Achar que tem que ter: é exatamente isto que precisa ser atacado. Alguns já estão começando a sentir esta dor, a sentir que até ontem podiam satisfazer aquilo que chamam de necessário, mas que hoje já não podem. No entanto, a grande maioria ainda acha que pode ter o que quer. Só que pergunto a esses: a que preço estão mantendo os seus quereres?

A que preço estão satisfazendo esse sonho? Ao custo do endividamento, ou seja, vocês estão vendendo o jantar para comprar o almoço. Quando chegar a hora do jantar, como é que vai ficar? Será que vão vender o almoço do outro dia? E quando tiverem que vender o almoço e o jantar do outro dia para almoçar hoje, como será o dia seguinte?