O exemplo de Francisco

A lição que Francisco deixou

Hoje é um momento de felicidade, porque se abre mais um ponto de luz, mais uma casa espiritualista para dar apoio às pessoas. Para mim é uma honra estar aqui participando deste momento. Apesar disso, infelizmente, a conversa que vamos ter não será feita num tom tão agradável quanto gostaria.

Não será uma conversa muito cheia de temor, de medos, porque se mistura com a felicidade da abertura de uma nova casa, o que traz um lado bom para esta conversa. No entanto, há notícias que eu preciso trazer para vocês, e tenho certeza de que não são aquelas que gostariam de receber num dia de festa. Vamos, então, à nossa conversa...

No último dia 4 de outubro foi comemorado o dia de São Francisco de Assis. Este Santo da Igreja Católica nos deixou grandes ensinamentos. Será por um dos ensinamentos deixados por Francisco, na vivência da sua vida, que começarei nossa conversa.

Não sei se vocês conhecem a história de Francisco, mas ele só se tornou Santo muito tempo depois de sua morte. Enquanto era vivo, não possuía, para as pessoas de então, uma aura de santidade. Ao contrário, ele, assim como Cristo, foi tratado como um reacionário. Era, para o povo de sua época, o que para vocês hoje é chamado de subversivo.

Porque ele era visto dessa forma? Porque Francisco de Assis era contra o sistema de vida que havia naquele tempo. Não só o sistema de vida da sociedade, mas também o sistema de existência da Igreja Católica, à qual ele pertencia.

Isto eu acho que vocês não sabiam, não é mesmo? Mas, era assim. Francisco era um jovem rico. Seu pai era um mercador e sua família tinha muitas posses. Só que ele abandonou tudo. Revoltou-se contra tudo o que tinha e a forma como viviam seus pares, e largou tudo, indo viver exclusivamente para Deus. Ao decidir viver para Deus, Francisco tornou-se cristão, que era a religião que existia para o seu povo.

Quando tornou-se cristão, viu que a igreja do Cristo, a Igreja Católica, era contrária aos ensinamentos do Mestre que dizia seguir. Por exemplo, no tempo de Francisco, se alguém pecasse, a Igreja Católica cobrava um valor e dava a inocência pelo pecado. Este processo chamava-se “Indulgência” ...

Tudo na religião de então era movido pelo dinheiro. Os bispos eram escolhidos entre os que pagavam mais; o papado era alvo de disputas imensas, pois gerava uma grande fortuna pessoal ao Papa. Francisco, logo que soube do luxo e da riqueza de Roma, se revoltou com isso, pois acreditava na pobreza em que viveu Cristo como caminho de aproximação a Deus.

Esta é a verdadeira história de Francisco de Assis. A questão dos animais, de protege-los, é lenda. Francisco de Assis não era protetor dos bichos, mas sim da simplicidade. Viveu perto dos bichos, porque achou essa simplicidade na forma animal de viver. Por isso vivia cercado de bichos.

Voltando à lição que Francisco nos deixou: quando ele viu toda a ganância, a busca do enriquecimento material na Igreja que abraçou, quando viu tudo o que acontecia na igreja do Cristo, foi pessoalmente à Roma falar com o Papa Inocêncio. Não conversar, mas sim cobrar do Papa, que levasse a Igreja novamente a viver o exemplo de Jesus Cristo. Cobrou de Inocêncio, que conduzisse a Igreja de volta aos ideais traçados por Cristo, o caminho traçado pelo Mestre.

Francisco de Assis falou, brigou, colocou todos os argumentos nos quais acreditava. O Papa respondeu à altura, também usando de suas crenças. Por causa disso, discutiram veementemente o assunto, até que em determinado momento o Papa disse uma coisa a Francisco, que o tocou, que calou fundo em seu coração. Foi o que Inocêncio disse, que serviu para que Chico de Assis nos desse o seu maior ensinamento, que citei no início desta conversa.

O Papa disse a Francisco o seguinte: “Eu também já fui jovem”. O que o Papa quis dizer a Francisco, foi que ele também já tinha tido aqueles arroubos de defender a forma puritana de se viver os ensinamentos, mas que agora, com a chegada da idade mais avançada, já conseguia conviver com a realidade como ela é.

É preciso lembrar que não foi Inocêncio quem levou a corrupção para a Igreja. Ela já existia havia centenas de anos. O sistema de funcionamento das coisas da religião era anterior ao papado de Inocêncio. Mais: estava tão arraigado, que se um Papa tentasse mudá-lo poderia sofrer retaliações ou até perder a própria vida.

Portanto, ao dar essa resposta a Francisco, o Papa estava dizendo que ele também já tinha tido o impulso de lutar contra tudo para impor aquilo que imaginava ser o certo, mas que agora, ao atingir a maturidade e com a experiência de vida que tinha adquirido, ele descobrira que não se pode lutar contra o que existe. Com essa observação de Inocêncio, a discussão se encerrou no mesmo momento, pois Francisco descobriu que, na verdade, estava se apegando a um arroubo humano, a um anseio humano: o anseio de fazer tudo do jeito que se quer, de achar que o que se sabe é o certo e todos precisam acreditar no mesmo.

Francisco entendeu o quanto estava sendo prepotente ao ir ao Papa, exigindo que ele promovesse mudanças, mesmo que estas espelhassem o ensinamento de Cristo. Reparou, também, o quanto a sua prisão aos conceitos que possuía fazia a vida ficar mais complicada, pois tornava-se necessário submeter os outros às suas próprias ideias. Como queria ser simples, queria ser humilde, disse a si mesmo: “Para! Não vou brigar por mais nada: vou agir em mim. Se acho que é preciso viver como o Cristo ensinou, eu vou viver, ao invés de querer obrigar os outros a viverem de determinada maneira. Se eles não vivem como o Mestre, mesmo que se digam seus seguidores, o problema é deles. Eu não tenho o direito de querer me impor aos outros, porque se fizer isto, não estarei vivendo o que Cristo ensinou ” ...

Isto é verdade. Cristo nunca enfrentou ninguém para impor as suas ideias, nem para salvar a sua própria vida. Pilatos, o juiz dos romanos, no momento do julgamento, pergunta para Cristo assim: se você é o rei dos reis, filho de Deus, por que o seu Pai não manda agora um anjo para te salvar? Cristo responde: se fosse para eu ser salvo, meu Pai mandaria muitas legiões.

Este é o exemplo do Cristo, o exemplo da submissão aos acontecimentos que estão ocorrendo naquele momento. Ele jamais se revoltou contra qualquer acontecimento de sua existência, com a presença da máxima: “Não cai uma folha da árvore, sem que meu Pai a faça cair.” Ele pode ter aproveitado para deixar ensinamentos, pode ter agido desta ou daquela forma, mas jamais mostrou revolta contra o que estava acontecendo.

Por isso, como Francisco queria seguir o exemplo de Cristo, entendeu que não se muda o mundo, entendeu que não se impõem aos outros as suas verdades. É preciso compreender que cada um, dentro de si, vive o seu próprio caminho, e todos os outros precisam respeitar as decisões, que vocês chamam de foro íntimo, que os outros tomam sobre as suas vidas. Por isso, para Francisco, mesmo a Igreja do Cristo, a partir daquele momento, teria o direito de agir contrário ao ensinamento do Mestre.

Este é o início da nossa conversa. Este é o exemplo que Francisco nos deixou. É a partir dele que quero conversar com vocês sobre os dias atuais e os que estão por vir.