Religiões

Vida e encarnação

A prática de tal ensinamento faz uma diferença imensa, porque o espírito encarnado vive uma encarnação e o ser humano vive uma vida... Vamos definir as duas coisas para sentir a diferença entre as crenças.

Vida é uma sucessão de acontecimentos que ocorre de forma desorganizada, independente da vontade do ser humano e que segue um trajeto formado por etapas do nascimento até a morte. Isso é vida.

Encarnação é outra coisa: é uma etapa da existência espiritual onde ele vivencia provações dadas por Deus para fazê-lo chegar à perfeição.

“115. Dos espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus? Deus criou todos os espíritos simples e ignorantes, isto é sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da Verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os espíritos adquirem aquele conhecimento”.

Mas como se realizam as provações? Elas são criadas através das vicissitudes (alternâncias entre as situações) da vida.

“132. Qual o objetivo da encarnação dos espíritos? Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns é expiação; para outros missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação...”.

NOTAS:

O termo vicissitude não deve ser compreendido pelo sentido que é dado pela doutrina espírita: carências. Segundo o Mini Dicionário Aurélio, vicissitude é a alternância das situações da vida. Ou seja, hoje a situação nos é favorável, amanhã desfavorável. Sendo assim, a obrigação da existência da vicissitude na vida corporal se traduz em que a encarnação será sempre composta por situações aparentemente positivas que serão sucedidas por outras negativas.

O termo sofrer na frase da citação, como ensinado em palestras anteriores, não tem nada a ver com sofrimento. Aqui ele deve ser entendido como passar por. Assim, a perfeita compreensão do texto diz que o espírito precisa passar pelas vicissitudes, mas que não precisa necessariamente ter emoções de sofrimento por causa disso. Aliás, na pergunta de O Livro dos Espíritos citada anteriormente (115) se afirma que aqueles que suportam as vicissitudes murmurando (sofrendo) permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade.

Mas, além da expiação, o Espírito da Verdade ensina que a encarnação possui ainda outro objetivo: o espírito veste-se com uma roupa adequada para nela, sobre as ordens de Deus, fazer a sua parte na obra geral.

“Visa ainda outro fim a encarnação: o de por o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta”. (pergunta 132).

Então veja que, acreditar numa vida e vivê-la é completamente diferente de vivenciar uma encarnação. Primeiro porque a vida ocorre independente da vontade do ser humano, mas a encarnação é fundamentada no gênero de provas escolhidos pelo espírito.

“258. Quando na erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o espírito consciência e previsão do que lhe sucederá no curso da vida terrena? Ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de passar e nisso consiste o seu livre arbítrio”.

Os outros elementos que distinguem uma vida de uma encarnação são o seguinte:

A vida tem etapas que alteram o ser humano; já na encarnação o espírito é sempre o mesmo desde o momento que encarna até que desencarna.

Na vida as coisas, os acontecimentos têm valores múltiplos; na encarnação só existe a provação: a expiação e a missão.

Vivendo estas diferenças, todos os outros valores que se dá aos acontecimentos da vida mudam de figura.

Enfim, vida e encarnação são elementos completamente diferentes. A vida é algo que começa e termina, a encarnação é apenas uma etapa da existência eterna.

A doutrina espírita dos espíritos prega a existência de um espírito que vive encarnações dentro do seu próprio mundo, ou seja, vivendo com seus próprios valores; a doutrina espírita humanizada prega a transformação do espírito em ser humano e, para isso cria uma existência humana para este elemento independente da existência espiritual e um local diferente para ele existir.

Ora, vocês que conhecem a doutrina espírita humanizada poderiam estar dizendo que não é isso que ela contempla como corpo doutrinário. Concordo, mas é desta forma que os seres humanos espíritas vivem. Eles lêem O Livro dos Espíritos, mas não trazem as conclusões do que leram para suas existências.

Os espíritas lêem que a vida é uma encarnação, mas ainda vivem um casamento, uma maternidade, uma paternidade, um trabalho material, uma amizade, ou seja, acontecimentos com valores múltiplos que possuem caracterização diferenciada da expiação e da missão. Todas estas situações que citei possuem conotações próprias que em nada contemplam aquilo que definimos como os elementos da encarnação de um espírito.

É isso que eu estou querendo dizer. A diferença entre ser praticante de uma ou de outra doutrina não está no que se sabe, mas na forma como que se coloca em prática os ensinamentos.

Quando falo em doutrina espírita dos espíritos estou me referindo à prática que os espíritos fazem dos ensinamentos nela contida. Quando falo em doutrina espírita humanizada estou falando na prática que os seres humanos dão aos mesmos ensinamentos da doutrina espírita.

Aí está, portanto, a primeira diferença entre a doutrina espírita dos espíritos e a humanizada: a auto visão sobre si mesmo e o valor que se dá aos acontecimentos da vida. Na doutrina espírita dos espíritos existe o espírito encarnado, vivendo uma encarnação; na humanizada existe um ser humano que vive a sua existência corporal como espírita.