Religiões

Espiritismo e espiritualismo

Texto retirado do estudo de O Livro dos Espíritos

Para designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras. Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo.

Vamos parar por aqui e definir espiritualismo. Kardec nos informa que o espiritualismo é o oposto do materialismo, mas o que é o materialismo? Podemos definir como materialista aquele que vive para o mundo material, para a matéria, para as coisas da matéria. Espiritualista, então, se é o oposto disso, é aquele que vive para o mundo espiritual, para as coisas do mundo espiritual. Este é, por definição, o significado do termo espiritualista.

Espiritualismo, portanto, é a ciência que estuda as coisas do espírito priorizando-as em detrimento às coisas materiais e espiritualista é aquele que vive para estas coisas.

Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que a matéria é espiritualista.

Para ser espiritualista não se pode apenas acreditar na coisa espiritual. Como foi dito, por definição, espiritualista é aquele que vive para as coisas espirituais.

Não basta apenas acreditar. Espiritualista não é aquele que acredita haver em si mais do que a matéria, mas aquele que além de acreditar nisso, vive para estas coisas.

Não se segue daí que creia na existência dos espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo empregaremos, para indicar a crença a que vimos referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando o vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria.

Espírita é aquele que, além de acreditar que existe alguma coisa além da humanidade (espiritualista) acredita também que haja comunicações entre estes dois mundos.

É importante fazermos desde já esta distinção, pois o espiritualista não espírita também acredita no espírito, pois crê ser algo mais do que a carne, mas, no entanto, o espiritualista não acredita nesta algo mais como descrito pelo Espírito da Verdade: um espírito vivo, um espírito que vive além da matéria.

O espiritualista espírita crê no espírito vivo, mas o espiritualista, que não é espírita, crê no espírito morto: o espírito que coabita com o homem e que sairá dele através do processo morte. Depois disso permanecerá morto e só voltará a viver no dia da ressurreição.

Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível.

Pouco se pode falar desse trecho, pois ele está bem claro: a doutrina espírita tem como fundamento, objetivo, o estudo dos espíritos fora da carne e da sua relação com a carne. Este é o objetivo do espiritismo segundo seu fundador.

Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas.

Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a doutrina espírita; como generalidade, prende-se à doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razão porque traz no cabeçalho do seu título as palavras: Filosofia espiritualista.

Esse é o aspecto importante: Kardec não separou o espiritismo do espiritualismo. Pelo contrário: deixou bem claro que a doutrina espírita, representada por O Livro dos Espíritos, é uma das fases do espiritualismo.

Isso é extremamente importante para a busca da elevação espiritual. Quem se diz somente espírita sem compreender que antes disso é espiritualista, prende-se apenas a uma fase do espiritualismo. Da mesma forma, aqueles que se intitulam apenas católicos, budistas, hinduístas, ou religiosos de uma determinada religião, também se prendem apenas a uma fase do espiritualismo, mas não deixam de ser espiritualistas.

O espiritualismo, na verdade, é uma faculdade que possui diversas cadeiras. Vamos entender esta afirmação.

Quem cursa medicina, por exemplo, precisa estudar biologia, ortopedia, cardiologia, etc. Existem, portanto, diversas cadeiras que compõem a medicina. No espiritualismo é a mesma coisa. O catolicismo é uma cadeira que tem a função de transmitir um determinado ensinamento. O evangelismo é outra cadeira, que tem a função de transmitir outro ensinamento. O espiritismo é uma destas cadeiras do espiritualismo que possui segmentação de transmissão de ensinamentos própria.

Por isso é que afirmamos que o espiritismo puro, assim como qualquer religião isoladamente, não representa a formação na faculdade espiritualista. Ter uma só religião confere uma formação capenga ao ser humano. É como se ele tivesse estudado dentro da medicina apenas a ortopedia e por isso se achasse pronto para curar qualquer enfermidade do corpo.

Precisamos, portanto, partir desse ponto, deste aspecto, ao estudar O Livro dos Espíritos. Estudaremos a doutrina espírita como um dos elementos do espiritualismo e não por ela mesma. Esta é a diferença do nosso trabalho.

Quando se vai a um centro espírita que imagina que o espiritismo e o espiritualismo são diferentes, estuda-se a doutrina espírita por ela mesma, pois os dirigentes daquela casa acham que a doutrina espírita sozinha satisfaz todas as necessidades do espírito. Mas, Kardec deixou bem claro nesta introdução: não satisfaz. A doutrina espírita precisa ser integrada a todas as outras fases do espiritualismo para que se alcance a vida espiritual.

Sendo cada religião do universo uma cadeira da faculdade espiritualista, é justo compreendermos que cada uma tem o objetivo de transmitir um determinado assunto.

No direito, por exemplo, as leis contra o crime são estudadas pelo penal, as civis, no cível. Da mesma forma na faculdade espiritualista cada cadeira, cada religião, tem uma função. Vamos, então, ver superficialmente a função de cada religião.

A falange espiritual diocesana que opera com a Igreja Católica, possui a missão de transmitir os sacramentos. Para compreendermos melhor esse assunto (sacramento) ao longo do Livro dos Espíritos, voltaremos a abordar o tema. A missão da falange evangélica é ensinar a fé cega, a fé perfeita: a entrega total.

A missão da falange mulçumana é trazer a informação do Deus Causa Primária que é feita através do ensinamento do “Maktub” (tudo já está escrito). A missão da falange espírita foi descrita pelo próprio Kardec: trazer a informação da vida depois da vida e a relação dela com a carnal.

A missão da falange de Krishna é trazer o ensinamento fundamental para o controle do ego como uma oferenda a Deus, um sacrifício a Deus. A falange do taoísmo (Lao-Tsé) trouxe o ensinamento do perfeito equilíbrio, o yang e yung. Já Buda trouxe com sua falange o conhecimento da existência do sofrimento e do caminho para se vencê-lo (Nobre Caminho Óctuplo).

Estas, resumidamente, são as missões de cada uma das falanges espirituais ou cadeiras da faculdade espiritualista. Cada uma delas contribui com um ensinamento para que os espíritos humanizados possam ‘cursar a faculdade espiritualista’, ou seja, promover a sua reforma íntima.

É, então, sobre este aspecto que estudaremos a partir de agora O Livro dos Espíritos: integrando todos os ensinamentos de todos os mestres numa só verdade.

Participante: Qual a missão da umbanda e do candomblé: perseverança no trabalho?

A umbanda e o candomblé não possuem missões de transmissões de ensinamentos. Todas as variações da falange africana (umbanda, candomblé, quimbanda) possuem missão de auxílio e apoio aos espíritos encarnados.

Os espíritos que operam nessa falange são os protetores diários, os orientadores. A missão deles é ação e não transmitir ensinamentos.

Pergunta: Onde acabam os trabalhos da umbanda e onde começam os do espiritismo de Kardec?

Na missão, na função dentro do planeta, como falamos no início. A umbanda tem a função de proteção aos encarnados, de orientação através da consulta (orientação verbal) e o apoio através do passe.

Já o ensinamento de Kardec, o espiritismo, é outra cadeira da faculdade espiritualista e a função dele é ensinar a realidade da vida fora da carne e como se processa o mecanismo de realização dessa vida e da junção das vidas encarnadas e desencarnadas.

A umbanda não possui missão de ensinamento e sim de ação. Isso, então, quer dizer que o espiritismo não possui missão de ação. O problema é que as religiões querem realizar ações que não lhe pertencem, querendo exercer a missão de outras.

Isso ocorre porque elas não se aceitam como parte do espiritualismo. A partir do momento que o espiritualismo for entendido como a fusão de todas as religiões os seres humanizados deixarão de ser religiosos (espíritas, católicos, umbandista, etc.) e serão espíritas espiritualistas, ou seja, ecumênicos.

Nesse momento os religiosos entenderão o seu papel dentro do apoio aos seres humanizados e com isso a religião exercerá a sua própria função no universo.

Participante: Isso quer dizer que uma se confunde com a outra?

 Todas as religiões se confundem uma com a outra porque todas fazem parte do espiritualismo que é a única religião que existe. No início deixamos bem claro que cada religião é uma cadeira da faculdade espiritualista. Então, todas se confundem quando se vê a religiosidade pelo aspecto espiritualista.

Esta é por definição o trabalho do espiritualismo: cada religião, cada falange espiritual, porque quando se fala em religião se fala em falange espiritual, trazendo uma parte e todas as partes se fundindo formando a religião espiritualismo que na verdade é a religação com Deus.

Mensagem espiritual

Juan

“...a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os espíritos ou seres do mundo invisível.”

“... o espiritualismo é o oposto do materialismo: quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista; mas não se segue daí que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.“

“Como especialidade “O Livro dos Espíritos” contém a Doutrina Espírita; como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases.

LIVRO DOS ESPÍRITOS - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA - I – ESPIRITISMO E ESPIRITUALISMO - Allan Kardec

O que é o espiritualismo? Na obra básica do espiritismo, O Livro dos Espíritos, Allan Kardec definiu o espiritualismo como “quem crê haver em si outra coisa que a matéria”. Esta definição é demasiadamente genérica para encerrar o termo espiritualismo.

O espiritualismo entendido desta maneira é estático, pois o ser apenas acreditaria na existência dentro de si deste algo mais, mas nada faria com relação a isto. No Universo nada é estático, portanto, o espiritualismo não pode resumir-se apenas nesta crença, mas deve promover ações a partir dele.

Assim como Allan Kardec definiu no mesmo livro os princípios do espiritismo como “as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível”, o espiritualismo deve também possuir princípios que lhe dê dinamismo. São estes princípios que tornam o espiritualismo diferente das demais crenças do universo.

Analisando-se à luz da definição morfológica do termo, o espiritualismo é a “doutrina cuja base é a prioridade do espírito com relação às condições materiais” (Mini Dicionário Aurélio – 3a. Edição). Juntando-se as duas informações, podemos definir espiritualismo como ‘um conjunto de atitudes que prestigiem o algo mais que se acredita existir dentro de cada um e não pautar a existência na busca da satisfação exterior’.

O espiritualismo, portanto, não é apenas a crença da existência de algo superior à forma humana, mas a doutrina que acredita que a existência carnal deve ser vivida objetivando satisfazer este algo a mais. O espiritualismo deve, então, conter ensinamentos que auxiliem o ser humano a executar essa existência.

Transmitir os ensinamentos que auxilie o ser humano a promover a reforma íntima que leve à plenitude de uma existência corporal com esta finalidade: esta é a função das religiões. Todas elas possuem uma doutrina formada a partir de ensinamentos deixados por mestres enviados por Deus.

Se analisarmos bem de perto as informações que todos os mestres trouxeram, veremos que sempre houve uma motivação em comum: alterar o sentido da vida carnal. Jesus nos falou que devemos amealhar bens no céu e não na Terra. Kardec nos disse que a vida material é apenas uma escala da elevação espiritual. Mohamed transmitiu os ensinamentos do Anjo Gabriel que nos avisam que devemos aceitar os desígnios de Deus para esta vida para merecermos o paraíso celeste. Sidarta Gautama ensinou como se viver no Nirvana, ou seja, no paraíso.

Além de falar desta outra existência, todos os mestres transmitiram os ensinamentos necessários para que o ser humanizado, utilizando-se do seu livre arbítrio, pudesse pautar a sua vida carnal na busca da satisfação interior. Jesus nos falou do amor e de sua ação, Kardec lembrou a felicidade alcançada com a evolução espiritual, Mohamed nos disse que esta felicidade pode ser alcançada durante a existência carnal e Buda ensinou os mecanismos para isto.

Analisando-se a base dos ensinamentos dos mestres, podemos afirmar que todos eles eram espiritualistas, dentro da acepção que alcançamos. Portanto, para se criar uma doutrina que ensine ao ser humano que ele é algo mais do que a carne que o envolve e que o leve a viver a sua essência espiritual ainda encarnado, é necessário compreender os ensinamentos de todos os mestres da humanidade.

O espiritualismo não pode existir sem o ecumenismo, pois todos os mestres foram, antes de tudo, espiritualistas.

O espiritualismo utiliza os ensinamentos de cada um dos mestres da humanidade como cadeiras curriculares de um curso universitário. Para se formar em medicina, por exemplo, o ser humano necessita aprender biologia, anatomia e outras matérias. Para se tornar espiritualista, o ser deve compreender os ensinamentos trazidos por todos os mestres.

Assim, o espiritualista vê nos ensinamentos de Jesus o objetivo a ser alcançado durante a sua existência: a prática do amor. Aprende com Kardec como se processa o relacionamento dele com sua vida eterna enquanto obscurecido pelo ’véu do esquecimento. Com Mohamed descobre que existe um ser universal que comanda todas as atividades terrestres visando o bem maior: o universal. Segue os ensinamentos deixados por Sidarta Gautama como técnicas para colocar a sua espiritualidade em ação na carne.

Mas, apenas este conhecimento não transforma o ser humano em ser universal: é preciso transformar o seu objetivo de vida material. Os ensinamentos dos mestres são instrumentos que por si só de nada valem ao ser: é necessária a prática para que se alcance a universalização.

Por isto o espiritualismo é mais do que simplesmente acreditar na existência do algo mais que existe além da matéria: é a aplicação dos ensinamentos de todos os mestres com o desejo único de ser alcançada a plenitude da existência espiritual.

É também neste ponto que o espiritualismo se difere das religiões existentes hoje no planeta. Enquanto elas criam doutrinas que levem o ser humano a, no mínimo, suportar seus infortúnios como forma de uma existência material mais amena, o espiritualismo ensina a passar por todos os acontecimentos com a real compreensão destes.

As religiões objetivam satisfazer momentaneamente o ser com a satisfação pessoal, o espiritualismo ensina a alcançar a verdadeira felicidade: a universal.