Evangelhos canònicos - Textos

Doação do eu

Ai de vocês, professores da lei e fariseus hipócritas! Pois dão a Deus a décima parte até mesmo do hortelão, da erva-doce e do cominho, mas deixam de obedecer os ensinamentos mais importantes como a justiça, a bondade e a obediência a Deus. Vocês deviam fazer essas coisas sem desprezar aquelas. Vocês deviam fazer estas coisas, sem desprezar aquelas. Guias cegos! Coam um mosquito, mas engolem um camelo.

Os seres humanizados oferecem a Deus até dez por cento de tudo o que é seu, materialmente falando, mas são incapazes de entregar qualquer coisa que seja do seu próprio íntimo, de seu interior. É isso que o Cristo está ensinando.

Os seres humanizados são até capazes de dizer, da boca para fora, que quem lhes deu a casa foi Deus, mas são incapazes de dar um pequeno pedaço que seja da posse a Ele. São capazes de dizer que ‘graças a Deus’ possuem um carro, mas não dão nem a buzina para Ele. Tudo é do ser humanizado...

É isso que Cristo está ensinando: é hipocrisia dizer que graças a Deus comprou a casa, mas depois achar que ela é sua. Sendo pela graça de Deus que ela foi comprada, a casa é de Deus. Sendo graças a Deus que o ser humanizado está vivo, a vida dele é de Deus; sendo pela graça do Senhor que o ser humanizado tem filho, ele é de Deus.

Mas, os seres humanos não são capazes de doar a Deus nada do seu interior, apesar de da boca para fora dizerem que tudo o que têm e vivem é alcançado através da graça de Deus.

É por não doarem o que vai ao íntimo, a posse das coisas, que os seres humanizados julgam-se capaz de comandar as coisas que são Dele. Querem comandar o destino das coisas materiais, das pessoas que os cercam e mesmo dos inimigos.

Isso nos faz entender que o ser humanizado vive para Deus sem abrir mão do eu, sem abrir mão de si mesmo. É por vivenciar os acontecimentos desta forma é que Cristo chama os seres humanizados de hipócritas. Sim, viver desta forma é hipocrisia. Enquanto o ser humanizado não abrir mão, doar a Deus, o seu interior não está vivendo para o Senhor.

Para que não seja preciso abrir mão do eu o ser humanizado é capaz de até engolir um camelo, ou seja, é capaz de suportar todos os infortúnios da existência sem conscientizar-se que esperar que a vida lhe traga felicidade depende de uma mudança interna: a doação do seu eu a Deus.

Há quantos anos os mestres vêm ensinando que é preciso abrir mão do eu para poder se tornar um com o Todo? Quantas vezes os seres humanizados já não leram ensinamentos que lhes falasse deste caminho para a consciência crística? Fizeram alguma coisa neste sentido? Não, ao contrário: usaram os ensinamentos dos mestres para fortalecer o eu, ou seja, para dizer que conhecem verdades.

Estes mesmos seres humanos são aqueles que Cristo diz que são capazes de engolir camelos, ou seja, vivenciam sofrimentos seguidamente, mas não mudam a sua forma de vivenciar os acontecimentos. Preferem continuar vivenciando situações com sofrimento a abrir mão de suas verdades, de seus conceitos, de seus padrões de certo e errado, bonito ou feio.

Preferem continuar brigando com quem brigam a muito tempo do que abrir mão do eu, da razão; preferem continuar debatendo assuntos para provar que estão certos do que abrir mão do eu, da idéia de estarem certos; preferem continuar sonhando em ganhar, conquistar, ter, do que abrir mão do eu, viver com felicidade aquilo que têm. Os seres humanizados preferem continuar absorvendo os sofrimentos, dizendo que ele é inerente ao ser humanizado, para não ter que abrir mão do eu: das verdades, dos conceitos, das posses, das paixões e desejos.

Pior: ainda dizem que fazem isso por amor próprio, por amor a si. Acreditam que não podem abrir mão do eu para poder ser alguém. Na verdade fazem isso não por amor a si, mas por causa da natureza egoísta do ser humanizado. Fazem isso para poderem ganhar, para poderem ter prazer, para serem reconhecidos e ganharem elogios.

Os seres humanizados não abrem mão do eu porque têm medo de perder, de serem considerados bobos. Mas, quem foi o maior bobo da história? Cristo... Ele tinha tudo para ser o rei dos reis, mas acabou pendurado numa cruz; tinha tudo para dominar a todos e a tudo, mas deixou-se dominar por uma pequena quantidade de soldados.

Os seres humanizados dizem que querem alcançar a consciência crística, mas não fazem o primeiro trabalho para isso: a doação do eu. Por isso não conseguem...

Imagine se um ser humanizado defensor do eu atingisse a consciência crística e tivesse todo o poder que o mestre tinha? Imagine se esse ser humanizado conseguisse saber tudo o que a outra pessoa estivesse pensando, que tivesse feito? Imagine se ele possuísse o poder de persuasão que o mestre tinha? Será que este ser humanizado se entregaria à cruz ou construiria um império para sentar no trono e reinar sobre os outros? Por isso Cristo ensina: louvado aqueles que forem bobos, pois dele será o reino dos céus.

A maior prova de amor por si mesmo que o ser humanizado pode dar é honrar a encarnação que está tendo.

Nenhum ser humanizado pensa porque está vivo naquele momento. Ele vive sem pensar porque nasceu, porque Deus o mandou a este nível de consciência, porque acordou de manhã ou porque inspirou e expirou oxigênio, o que lhe dá um novo momento de vida. Para que tudo isso acontece? Para que o ser humanizado continua vivenciando esta existência? Já pensaram nisso?

Deus faz tudo isso para que o ser humanizado possa vivenciar as suas provas e através da doação do eu unir-se a Deus (Todo) e assim vivenciar a consciência crística. Ou seja, fez o ser humanizado começar a existir (nascer) e o mantém existindo para que, através do convívio com outras pessoas, possa receber palavras e ações que ofendam suas verdades, conceitos, desejos e paixões para que este ser compreenda que se mantiver-se apegado a estas coisas sofrerá. Ter esta consciência a cada acontecimento da existência é honrar a encarnação.

Aliás, mesmo que o ser humanizado não se preocupe com a elevação espiritual, deveria viver assim em agradecimento a Deus por tê-lo acordado nesta manhã ou tê-lo feito inspirar e expirar oxigênio no último momento. Deveria doar o seu eu ao Pai mesmo que não busque aproximar-se Dele, em louvor a Ele por ter mantido-o na carne enquanto muitos seres universais esperam a sua oportunidade de encarnar.

Apesar de Deus fazer tudo isso pelo ser, o que ele faz com o dia? Vivencia-o apegado ao eu buscando sempre solidificá-lo através da vitória sobre os demais. Pior: ainda diz que tem que fazer isso justamente para ser feliz, por amor a si mesmo. Vivem assim porque os seres humanizados não fazem a mínima idéia do que este proceder faz a ele mesmo... Mas, isto é assunto para outra vez...