Preparando-se para viver - texto

Aceitar que o outro ganhe

Encerramos a conversa anterior falando que durante a vida vocês não se preparam para que aconteça o que não querem. Por que isso acontece? Porque não se preparam para que aconteça na vida aquilo que não querem?

Porque uma das características do ser humanizado é querer ganhar sempre. Vivendo esperando obter vitórias.

Participante: mas, quem é que quer perder?

Perfeito: quem é que quer perder? Ninguém quer perder, isso é real, mas, o a hipótese de perder é real também. Por isso, mesmo não querendo perder, o ser humanizado que se prepara para a vida trata essa possibilidade como uma realidade possível.

Ele sabe que a possibilidade de perder tem uma grande chance de acontecer. Por isso, quando a hipótese da perda acontece, não sofre, não se contraria. Diferente disso, aquele que sonha ganhar sempre, se contraria com a derrota.

Portanto, estar preparado para a vida não é entrar numa empreitada para perder, mas participar dela sabendo que pode acontecer de tudo dar certo ou não. Ele não vive para perder, mas sabe que essa possibilidade existe.

Participante: é igual a morte. Todos sabem que vão morrer, mas ninguém se prepara para esse momento.

Isso. Todos vivem a vida como se fossem eternos. Isso é outra coisa que vamos conversar mais à frente.

É a partir da conclusão que chegamos que quero destacar uma coisa para que entendam como a maneira de viver humana é antinatural. Vocês só olham a vida a partir do eu. Nunca olham o que o seu eu faz ao outro.

Me falaram algo muito interessante: quem é que quer perder? Ninguém. Concordam comigo? Só que quando o ser perde, o que acontece? Alguém ganha ...

Usando isso nesta questão que foi levantada (ninguém quer perder), posso dizer que vocês não querem que ninguém ganhe nunca. Vivem assim e ainda dizem que amam os outros.

Participante: por isso que eu digo que a vida é uma luta.

Sim, ela é. Se o ser humanizado não quer perder nunca, luta o tempo inteiro contra os outros para que ele ganhe do outro.

Participante: eu quero que os dois ganhem.

Mentira. Não pode querer isso porque sabe que para um ganhar o outro automaticamente tem que perder.

Se os dois querem a mesma coisa (ganhar) e se eles são diferentes e por isso querem coisas diferentes, num momento é impossível que os dois ganhem. Para que os dois ganhassem, seria necessário que fossem iguais, que quisessem a mesma coisa. Como isso é impossível, já que todos são personalidades diferentes entre si, um tem que ganhar e o outro perder.

Como você jamais aceita que o outro possa ganhar, tem que lutar sempre para que a vitória fique consigo. Como alguém pode ser feliz vivendo com essa motivação?

Durante a vida, cada ser humanizado acha que só ele tem direito a vitória, só ele pode ser considerado o certo, só o que ele quer tem que acontecer. Acham que essa forma de viver é amorosa?

O ser humano vive o tempo inteiro exigindo a sua própria vitória e não dá espaço para que o outro tenha nenhum momento de vitória. Ele jamais abre mão do que quer, do que gosta, do que acha certo para que o outro possa viver aquilo que quer. Ainda diz que ama a todos. Como pode haver uma vida em comunhão, com entrosamento, se todos vivem dessa forma?

Ninguém aceita que o outro se satisfaça porque sabe que isso, para ele, será uma derrota. Essa é a verdade da vida, a verdade dos relacionamentos humanos. A maioria vive querer impor aos outros a sua vontade, o seu querer, para que obtenha a vitória sempre.

Se a vida feliz é aquela que é vivida em harmonia entre os seres, pouco importando os papéis da vida, como pode haver felicidade quando não se dá ao outro o direito de vencer? Como podem ser felizes se nos seus relacionamentos sempre que o outro pensa ou quer coisa diferente logo surge a crítica, a pichação de que ele está errado?

Quando os outros conseguem expor suas verdade, porque os criticam? Para que obtenham pelo menos a vitória moral. Se não conseguem que eles se mudem, dizendo que estão errados vocês imaginam obter uma vitória moral sobre eles: ‘eu sei o que é certo, ele não’.

Um grande detalhe: não estou criticando ninguém. Na verdade quem vive assim não são vocês, mas a personalidade humana, a vida humana. É a vida que vive sob esse preceito.

Por isso, quando estou falando agora não estou lhes criticando, mas alertando. A vida vive assim: tenham essa consciência e não se deixem levar pelas razões criadas pela sua mente. Tendo essa consciência, podem, então, libertarem-se da vida.

Preparar-se para viver a vida humana não é mudar a forma como a mente vive, mas a forma de conviver com o que a razão cria. Mudar a forma de conviver é quando a sua mente disser que o seu vizinho está errado porque colocou música alta, você não aceitar essa crítica. Dizer à razão humana: ‘ele tem o direito de ouvir no volume que quiser. Não posso me sentir contrariado porque na hora que quero também aumento o volume’.

Participante: a nossa liberdade acaba quando começa a do outro.

Na verdade a sua liberdade só começa quando acaba a do outro. Para aquele que quer ser feliz, a liberdade do outro vai até onde ele quiser e só depois disso começa a sua própria.

É isso que precisam compreender: estar preparado para a vida é saber que todo relacionamento é feito por personalidades diferentes que são movidas pelo anseio de ganhar e que os dois tem direito à vitória. Não é só você que tem direito a ela.