Renato Mendes

Impermanência

Por Renato Mendes há 7 anos

Todas as coisas são impermanentes, ou seja, estão em constante mutação.

E em constante mutação quero dizer, mudam ou alteram-se a cada presente e não a cada tempo do relógio.

Algumas coisas são facilmente perceptíveis em suas mudanças, o vento, a água que corre e o coração que bate. Outras parecem estar ali, eternamente paradas, apenas aguardando a ação de algum agente externo para modifica-las, como o livro na estante aguardando o leitor, a chama da vela aguardando o vento, a barra de ferro aguardando a ferrugem, o pão aguardando o bolor ou uma montanha aguardando a erosão, e só então, após anos, dizemos, olhem, a montanha mudou.

Mas o que não é facilmente perceptível, é que mesmo o que parece aguardar a mudança já está mudando a cada presente, não ignoramos os átomos em constante movimento compondo o pão e nem o atrito de sua relação com o ambiente, sem contar que o que parece estar sempre no mesmo lugar se moveu com o movimento do planeta.

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Já compreendemos que todas as coisas observadas são impermanentes, mas e aquele que observa? Bom, os órgãos de percepção também são impermanentes, os olhos, ouvidos e todos os outros nunca são os mesmos, aliás, as células que compõe o corpo físico se renovam totalmente em média de sete anos. Este corpo não é o mesmo que há sete anos? Mais do que isto, não é o mesmo que há um segundo, o sangue que se moveu, o oxigênio que se renovou, sem falar em todo o resto, como os átomos que compõe as células, tudo mudou.

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O livro que se encontra à minha frente, mesmo que pareça estático está mudando, mas os meus olhos que são tocados pelas impressões do livro também estão mudando. Os olhos que não veem, pois são apenas receptores, estão mudando como todo o resto a partir dele, assim como os sinais, sinapses e o cérebro. Aliás, se estes não mudassem, nenhuma imagem seria formada.

Indo mais além, os conceitos, valores, gostos e desgostos quando atribuídos ao livro também mudam constantemente, mesmo se não retirarmos o olhar do livro, no presente seguinte há outro livro ali, a primeira impressão que o livro nos causou ajudará na composição para a segunda impressão e assim sucessivamente. Lembra da história de que o mesmo homem não pode nunca entrar no mesmo rio? Tanto o homem física e psicologicamente quanto o rio mudaram.

Porém, para perceber a mudança de uma coisa, aquilo que percebe não pode mudar junto à coisa exatamente da mesma maneira, caso contrário, haveria a percepção da mudança de todo o resto, menos desta coisa em particular.

E, se todas as coisas são impermanentes, como escrevi no início do texto, é necessário algo que não seja impermanente para dizer isto. Caso contrário, não poderia dizer que todas as coisas são impermanentes. Este algo não pode ser físico, nem mental, nem emocional, ou seja, nada perceptível nem instrumento de percepção como já vimos, e lembre-se, pensamentos e emoções são também perceptíveis. O que seria então esta não coisa, vamos chama-la assim para diferir de todas as coisas, capaz de perceber a impermanência de todas as coisas?

Para encerrar, os eventos também mudam, isto é claro, então podemos dizer que não há tristeza que nunca acabe e nem alegria que sempre dure, acreditar no contrário é enganar-se.

Assim, se há infelicidade, perceba, isto passa, e quando houver outra infelicidade, quem sabe se lembrará novamente.