Nietzsche sempre repetia essa afirmativa. Para ele esse algo é uma força vital genealógica que faz brotar involuntariamente o pensamento. É como se a geração do pensamento fosse uma coisa involuntária assim como o são os movimentos peristálticos do intestino ou as contrações do coração. Você pode estar se questionando agora: sim, mas e os movimentos voluntários dos demais músculos, por exemplo, das pernas que nos possibilita a locomoção? Ora, também necessitam de um comando do pensamento e o Nietsch defendia uma involuntariedade do cérebro, à exemplo de intestino e coração. Vivenciando a vida com essa consciência, a figura do EU desaparece automaticamente e você passa a se sentir um observador. É como se você deixasse de ser sua identidade construída pela mente e a sua consciência passasse a ocupar o espaço vazio entre a sua essência e a mente.
As duas (C) consciências são importantes pra nos tornarmos o agora na Realidade Maior do Universo. A Consciência é o observador da nossa vozinha interior, emitida pela mente a todo momento, como forma de provas ao nosso Eu. A consciência é a nossa experienciação da vida enquanto o nosso eu permaneceu identificado com a mesma. Essa consciência é importante no processo de descarte da necessidade do ganho, prazer, elogio e razão propiciando assim o retorno da Consciência.
Já percebeu que vivemos em uma era imediatista? Queremos tudo agora, esperar é uma tortura.
Este imediatismo nos atinge inclusive em assuntos de espiritualidade.
Nós devoramos o assunto e queremos um efeito imediato. Lemos que Atman é Brahman e queremos experimentar a Unidade agora, seja lá o que isto queira dizer.
Mas vamos com calma, existem sim testemunhos de pessoas que "despertaram" de modo repentino, mas se isto não ocorreu com você não fique parado esperando, pois da espera você receberá apenas a espera.
Quando vemos uma criança começando a andar é interessante notar a euforia dela em chegar logo ao objetivo, e assim que tenta correr ela cai. Aí ela se levanta e percebendo que não consegue chegar correndo, ela se concentra no primeiro passo, e com calma tenta dar o segundo e o terceiro até chegar.
Pois bem, assim como a criança, concentre-se no primeiro passo, e aí estará pronto para dar o segundo, mas não tente alcançar a chegada se nem começou.
E falando em caminhada, por onde sempre começamos? Começamos de onde estamos, não é na linha de partida, porque mesmo para chegar à linha de partida devemos caminhar a partir de onde estamos agora.
Por onde começamos então se o assunto é espiritualidade? Comece pelo mais perto, comece por você, e onde está agora e o que você é? Observe-se para descobrir. Observe-se aí mesmo onde está agora, observar é o começo e para observar não é necessário ir a lugar algum ou fazer coisa alguma, apenas observar.
Observe-se. Observe-se fazendo qualquer coisa ou não fazendo nada. Observe o seu mundo interno.
Não faça da observação um ritual, mas se praticar um ritual, observe-se praticando. Não espere sentar na posição de lótus ou fazer mantras e mudras para observar-se, mas ao fazer tudo isto observe-se internamente enquanto faz. Observe-se indo meditar, observe-se meditando, observe-se após a meditação.
Observar não cansa, observar é apenas observar e mais nada, se vier o cansaço observe isto.
Observar-se é dar o primeiro passo, e se fizer apenas isto já é melhor do que não ter feito nada.
É melhor sair desta vida com ao menos um passo dado do que não ter dado passo algum.
Observe-se e então a caminhada terá dado início.
QUE MUNDO É ESSE?
Por uma necessidade de auto consciência a mente cria um mundo no qual nos vemos de forma bastante real dentro dele e o que mantém essa ilusória manifestação é essa mesma crença em sua realidade. Existimos nesse mundo não com o propósito de mantê-lo, mas de perceber sua irrealidade. Diante da dor o ser humano só encontra uma alternativa, fugir, encontrar uma maneira de acabar com o sofrimento e faz isso porque toma esse mundo como real.
Toda essa irrealidade, dor, sofrimento deixarão de existir não a partir do momento em que eu não sentir dor, mas à medida em que questiono, “quem sofre”, quem vai imergir e viver os pensamentos ou observá-los. A crença no eu como sendo real, personificado é quem cria esse mundo ilusório e aí a dor dói e o sofrimento machuca. Quem sou, eis a única questão.
A vida flui sem que tenhamos o menor controle sobre ela, os pensamentos ativam em nosso corpo mental todas aquelas energias, memórias que precisam ser vivenciadas criando os atos do dia a dia, não temos a menor culpa ou responsabilidade pelo ocorrido, mas e qual seria então nossa responsabilidade, qual o real sentido da vida, qual o propósito? O de nos tornarmos conscientes de tudo aquilo que está inconsciente em nós, o subconsciente. Diante de todas as verdades individuais vividas ou vivenciadas em todo esse período de conflito, o que se observa, os erros ou acertos, as escolhas?
Não, nada disso existe ou existiu, tudo o que ocorreu foi da forma exata como deveria ter acontecido, nada poderia ter sido diferente, pois a vida é quem determina o que vai acontecer. Quanto aos propósitos, como recobramos nossa consciência original diante dos atos e circunstâncias da vida? Despertando dentro de si o observador aquele eu que vai observar as ações do ego-mente, ex: estou dirigindo no trânsito e sou “trancado” me observo, me percebo e melhor me assumo completamente irritado, e isso não me traz a mínima preocupação ou culpa por estar assim. Pronto, tomei consciência de um aspecto inconsciente em mim até então ignorado pela minha identificação com a raiva, esse ato de me observar enfraquece esse aspecto raiva que faz parte de minha personalidade.
“Tudo é revelado ao ser exposto à luz e tudo que é exposto à luz, se torna luz”.
Paulo.
INVESTINDO EM SABEDORIA DIANTE DOS INVERNOS DA VIDA
Augusto Jorge Cury
Os princípios da matemática emocional
Muitos investem boa
parte de sua energia física e psicológica em aplicar seu dinheiro nas bolsas de
valores, em adquirir bens materiais, em ter um carro do último tipo, em
adquirir um bom plano de previdência. A segurança financeira é legítima, mas é
totalmente insuficiente para satisfazer as necessidades mais íntimas do homem,
para dar sentido à sua existência, enriquecer seu prazer de viver e amadurecer
sua personalidade.
Tratei diversas pessoas com transtornos depressivos que eram
financeiramente ricas, mas que tinham perdido o encanto pela vida. Várias
comentaram que sentiam inveja de pessoas simples, pois embora não tivessem
cultura nem suporte financeiro, elas sorriam diante dos pequenos eventos da
vida.
Lembro-me de um grande empresário agroindustrial que me
disse que alguns dos seus empregados cortadores de cana eram mais ricos do que
ele, pois, mesmo diante da miséria material, conseguiam cantar e se alegrar
enquanto trabalhavam. De fato, há miseráveis que moram em palácios e ricos que
moram em favelas...
Não estou fazendo apologia à miséria, pelo contrário, a
miséria em todos os sentidos deveria ser extirpada das sociedades, mas quero
dizer que a psique humana é tão complexa que desobedece às regras da matemática
financeira. A matemática emocional tem, felizmente, princípios que ultrapassam
os limites da matemática lógica, financeira. Ter não é ser. Quem tem dez casas
não tem dez vezes mais prazer pela vida ou dez vezes mais segurança emocional
do que quem tem um casebre. Quem tem 1 milhão de dólares não é milhares de
vezes mais alegre do que quem tem alguns míseros trocados.
É possível ter muito financeiramente e ser emocionalmente triste,
infeliz. É possível ter riquezas materiais e baixa capacidade de contemplação
do belo. A matemática emocional pode inverter os princípios da matemática
financeira, principalmente se alguém aprender a investir em sabedoria. O
processo da construção da inteligência é um espetáculo tão sofisticado que
possui atos inesperados e cenas imprevisíveis ao longo da vida.
Todos comentam sobre a miséria física porque é perceptível
aos olhos, mas raramente se comenta sobre a miséria emocional, que abate o
ânimo e restringe o prazer da existência.
A temporalidade da vida é muito curta. Num instante somos
jovens e em outro somos velhos. As crianças gostam de fazer aniversário. Quando
chega a maturidade, queremos parar o tempo, mas ele não para. A brevidade da
vida deveria nos fazer procurar a sabedoria e dar um sentido mais rico para a
existência, caso contrário, o tédio e a angústia serão parceiros íntimos de
nossa trajetória.
Investindo em sabedoria: as dores da existência sob outra
perspectiva
Cristo objetivava que seus discípulos se tornassem grandes
investidores em sabedoria. Ele não queria que o ser humano tivesse uma meta
existencial pobre e superficial. Ao investigarmos sua história, constatamos que
para ele cada ser humano era um ser ímpar e deveria viver sua vida como um
espetáculo singular. Por isso, ele aproveitava cada oportunidade para treinar
seus discípulos a crescer diante das limitações e das fragilidades humanas.
Procurava abrir-lhes o horizonte intelectual para que pudessem ver os
sofrimentos sob outra perspectiva.
As dores da existência, tanto as físicas quanto,
principalmente, as psicológicas, deveriam ser aliviadas. Todavia, para Cristo,
elas deveriam ser usadas para lapidar as arestas da personalidade. O ser humano
aprende facilmente a lidar com seus sucessos e ganhos, mas tem grande
dificuldade de aprender a lidar com seus fracassos e perdas. Vivemos em
sociedades que negam as dores da existência e superdimensionam a busca pelo
sucesso. Qualquer pessoa aprende a lidar bem com as primaveras da vida, mas só
os sábios aprendem a viver com dignidade nos invernos existenciais...
O fato de sermos
seres que pensam e têm consciência nos torna uma espécie muito complexa e, por
vezes, complicada. Uma espécie que constrói seus próprios inimigos. A cada momento
penetramos nos labirintos da memória e construímos ricas cadeias de pensamentos
sem saber como encontrar os endereços das informações na memória. Pensar é um
espetáculo. Porém, pode ser tanto um espetáculo de prazer como de terror. Se o
mundo das idéias que construímos no placo de nossas mentes é negativo, fazemos
de nossas vidas um espetáculo de angústia, ainda que possamos ter privilégios
exteriores.
Freqüentemente, o homem é o maior algoz de si mesmo. Muitos
sofrem por antecipação, fazem o “velório antes do tempo”. Os problemas ainda
não ocorreram e eles já estão sofrendo antecipadamente. Outros ruminam o
passado e mergulham numa esfera de sentimentos de culpa. O peso da culpa está
sempre ferindo-os. Outros, ainda, se auto destroem pela hipersensibilidade
emocional que possuem; pequenos problemas têm um eco intenso dentro deles. As
pessoas hipersensíveis costumam ser ótimas para os outros, mas péssimas pára si
mesmas. Quando alguém as ofende, estraga o seu dia e, às vezes, até sua semana.
Assim, para essas pessoas, a magnífica construção de pensamentos deixa de ser
um espetáculo de entretenimento para ser uma fonte de ansiedade.
Se não reciclarmos as idéias de conteúdo negativo, não
trabalharmos o sentimento de culpa e repensarmos a hipersensibilidade
emocional, facilmente desenvolveremos depressão ou stress acompanhado de
sintomas psicossomáticos. Pensar não é uma opção do homem. Pensar, como vimos,
é um processo inevitável. Ninguém consegue interromper o fluxo de pensamentos,
mas é possível gerenciar com determinada maturidade os pensamentos e as
emoções, caso contrário nos tornamos vítimas de nossa própria história. Se o
homem não for o agente modificador de sua história, se não a reescrever com
maturidade, certamente será vítima dos invernos existenciais.
Reescrever a história é o papel fundamental do homem.
Precisamos incorporar a necessidade desse capital intelectual.
Cristo destilava sabedoria da sua miséria...
Cristo estava sempre conduzindo as pessoas a reescrever suas
histórias e a não ser vítimas das intempéries sociais e dos sofrimentos que
viviam. Ele se preocupava com o desenvolvimento das funções mais altruístas da
inteligência. Desejava que elas tivessem domínio próprio, administrassem os
pensamentos e aprendessem a trafegar nas avenidas da perseverança diante das
dificuldades da vida.
Cristo foi ofendido diversas vezes, porém sabia proteger a
sua emoção. Alguns fariseus diziam que ele era o principal dos demônios. Para
alguém que se colocava como o “Cristo”, essa ofensa era muito grave. Todavia,
as ofensas não o atingiam. Somente uma pessoa forte e livre é capaz de refletir
sobre as ofensas e não ser fedia por elas. Cristo era forte e livre em seus
pensamentos, por isso podia dar respostas excepcionais em situações em que
facilmente a ira nos invadiria.
Nem mesmo a possibilidade de ser preso e morto a qualquer
momento parecia perturba-lo. Ele transcendia as situações que normalmente nos
sobrecarregariam de ansiedade. Tinha muitos opositores, todavia manifestava com
ousadia seus pensamentos em público. Tinha todos os motivos para ter insônia.
Contudo, parecia que não perdia noite de sono, dormindo até em situações
turbulentas.
Certa vez, os discípulos, que eram pescadores e, portanto,
especialistas em mar, ficaram intensamente apavorados diante de uma grande
turbulência marítima. Enquanto os discípulos estavam desesperados, Cristo
dormia. Ele não era pescador nem estava acostumado a viajar de barco. Quem não
está acostumado a navegar geralmente sente enjôo na viagem, principalmente se o
mar estiver agitado. Desesperados, eles o despertaram. Acordado, ele censurou o
medo e a ansiedade deles e com um gesto acalmou a tempestade. Os discípulos,
mais uma vez intrigados, perguntavam entre si: “Quem é este que até o vento e o
mar lhe obedecem...?”. O que quero comentar aqui não é o ato sobrenatural de
Cristo, mas a tranqüilidade que demonstrava diante das situações em que o
desespero imperava.
Ele agia com serenidade quando todos ficavam apavorados.
Preservava sua emoção das contrariedades. Muitos fazem de suas emoções um
depósito de lixo. Não filtram os problemas, as ofensas, as dificuldades que
atravessam, pelo contrário, elas entram dentro de si com extrema facilidade,
gerando angústia e stress. Todavia, Cristo não se deixava invadir pelas
turbulências da vida. Ele administrava a sua emoção com exímia habilidade, pois
filtrava os estímulos angustiantes, estressantes.
Não apenas o medo não fazia parte do seu dicionário da vida,
mas também o desespero, a ansiedade, a insegurança e a instabilidade.
Os discípulos contemplavam seu mestre atenta e
embevecidamente e, assim, pouco a pouco, aprendiam com ele a ser fortes e
livres interiormente, bem como a ser seguros, tranqüilos e estáveis nas
situações tensas.
Todos elogiam a primavera e esperam ansiosamente por ela,
pois pensam que as flores surgem nessa época do ano. Na realidade, as flores
surgem no inverno, ainda que clandestinamente e se manifestam na primavera. A
escassez hídrica, o frio, a baixa luminosidade, pertinentes ao inverno,
castigam as plantas, levando-as a produzir metabolicamente as flores que
desabrocharão na primavera. As flores contêm as sementes e as sementes
expressam uma tentativa de continuação do ciclo da vida das plantas diante das
intempéries que atravessam no inverno. O caos do inverno é responsável pelas
flores da primavera.
Ao analisar a história de Cristo, fica visível que os
invernos existenciais pelos quais ele passava não o destruíam, pelo contrário,
geravam nele uma bela primavera existencial, expressa por sua sabedoria,
amabilidade, tranqüilidade, tolerância, capacidade de compreender e superar os
conflitos humanos.
Todo ser humano passa por invernos existenciais
Toda e qualquer pessoa passa por turbulências em sua vida.
As dores geradas por problemas externos ou por fatores internos são os
fenômenos mais democráticos da existência. Um rei pode não ter problemas
financeiros, mas, tem problemas internos. A princesa Diana era elegante e
humanística e não atravessava problemas financeiros, mas pelo que consta,
possuía dores emocionais intensas, sofria crises depressivas. Talvez sofria
mais do que muitos miseráveis da África ou do Nordeste brasileiro.
A pessoas que passam pelas dores existenciais e as superam
com dignidade ficam mais bonitas e interessantes interiormente. Quem passou
pelo caos da depressão, da síndrome do pânico ou de outras doenças psíquicas e
o superou, se tornou mais rico, belo e sábio. A sabedoria torna as pessoas mais
atraentes, ainda que o tempo sulque a pele e traga as marcas da velhice.
Uma pessoa que tem medo do medo, medo da sua depressão, das
suas misérias psíquicas e sociais, tem menos equipamento intelectual para
supera-las. O medo alimenta a dor... Aprender a enfrentar o medo, a atuar com
segurança nos sofrimentos e a reciclar as causas que financiam os conflitos
humanos conduz uma pessoa a reescrever sua história.
Todos gostamos de viver as primaveras da vida, viver uma
vida com prazer, com sentido, sem tédio, sem turbulências, onde os sonhos se
tornem realidade e o sucesso bata às nossas portas. Entretanto, não há um ser
humano que não atravesse invernos existenciais. Algumas perdas e frustrações
que vivemos são imprevisíveis e inevitáveis. Quem consegue evitar todas as
dores da existência? Quem nunca teve momentos de fragilidade e chorou lágrimas
úmidas ou secas? Quem consegue evitar todos os erros e fracassos? O homem, por
mais prevenido que seja, não consegue controlar todas as variáveis da vida e
evitar determinadas angústias.
Todos passamos por focos de tensão. As preocupações
existenciais, os desafios profissionais, os compromissos sociais e os problemas
nas relações interpessoais geram continuamente focos de tensão que, por sua
vez, geram stress e ansiedade. Os focos de tensão podem exercer um controle
sobre a inteligência que nos impede de ser livres, tanto na construção quanto
no gerenciamento dos pensamentos. Às vezes, a atuação dos focos de tensão é tão
dramática que exerce uma verdadeira ditadura sobre a inteligência.
Quem cuida apenas da estética do corpo e descuida do
enriquecimento interior vive a pior solidão, a de ter abandonado a si mesmo em
sua trajetória existencial. As pessoas que vivem preocupadas com cada grama de
peso fazem de suas vidas uma fonte de ansiedade. Elas têm grande dificuldade de
superar as contrariedades, as contradições e os focos de tensão que surgem na
trajetória existencial.
A ditadura dos focos de tensão torna o ser humano uma vítima
de sua história e não um agente construtor dela, um autor que reescreve seus
principais capítulos. É mais fácil o homem ser vítima do que autor de sua
história. Muitas pessoas são marionetes das circunstâncias da vida, não
conseguindo redirecionar e repensar suas histórias.
Cristo via as dores da vida sob outra perspectiva.
Enfrentava as contrariedades sem desespero, não tinha medo da dor nem das
frustrações pelas quais passava. Muitos o decepcionavam, até os seus íntimos
discípulos o frustravam, mas ele absorvia aquelas frustrações com
tranqüilidade. Como mestre da escola da existência, treinava continuamente seus
discípulos a superarem seus focos de tensão, a enfrentarem seus medos e seus
fracassos. Assim, poderiam reescrever suas histórias e corrigir suas rotas com
maturidade.
Certo dia, Jesus teve um diálogo curto e cheio de
significado com seus discípulos. Disse: ”No mundo passais por várias aflições,
mas tende bom ânimo, pois eu venci o mundo”. Ele reconheceu que a vida humana é
sinuosa e possui turbulências inevitáveis, encorajou seus íntimos a não se
intimidar diante das aflições da existência, mas a se equipar com ânimo e
determinação para supera-las. Disse que tinha vencido o mundo, tinha vencido as
intempéries da vida, o que indica que ele viva sua vida, não de qualquer
maneira, mas com consciência, com metas bem estabelecidas, como se fosse um
atleta.
Produzindo uma escola de sábios
Cristo teve um nascimento indigno e os animais foram suas
primeiras visitas. Provavelmente, até as crianças mais pobres têm um nascimento
mais digno do que ele. Quando tinha dois anos, deveria estar brincando, mas já
atravessava grandes problemas. Era perseguido de morte por Herodes.
Dificilmente uma criança frágil e inocente foi tão perseguida como ele. Fugiu
com seus pais para o Egito, fez longas jornadas desconfortáveis, a pé ou no
lombo de animais; tinha uma inteligência incomum para um adolescente, sendo
admirado aos doze anos por intelectuais da época. Todavia, tornou-se um
carpinteiro, tendo de labutar para sobreviver.
Quando manifestou seus pensamentos ao mundo, causou grande
turbulência. Foi amado por muitos, mas na mesma proporção foi perseguido,
rejeitado e odiado pelos homens que detinham o poder político e religioso de
sua época. Foi incompreendido, rejeitado, esbofeteado, cuspido e ferido física
e psicologicamente. Cristo tinha todos os motivos para ser tenso, irritado,
angustiado, revoltado. Em vez disso, expressava tranqüilidade, capacidade de
amar, de tolerar, de superar seus focos de tensão e, como disse, até fazer
poesia da sua miséria.
Apesar de passar por tantas dificuldades ao longo de sua
vida, era uma pessoa alegre. Talvez não manifestasse largos e fartos sorrisos,
mas era alegre no seu interir, provavelmente mais do que se possa imaginar.
Logo antes do seu martírio, manifestou que os discípulos deveriam provar da
alegria que ele possuía, da alegria completa. Muitos têm bons motivos para ser
felizes, mas estão sempre insatisfeitos, descontentes com o que são e possuem.
Todavia Cristo, apesar de todos os motivos para ser uma pessoa triste, se
mostrava feliz e sereno.
Como é possível alguém que sofreu tanto desde a infância
mostrar-se tão tranqüilo, capaz de não perder a paciência quando contrariado e
superar as contrariedades da vida com serenidade? Como é possível alguém tão
rejeitado e incompreendido manifestar que não apenas era alegre, mas que também
possuía uma fonte de alegria que poderia propiciar ao homem prazer e sentido
existencial pleno? Cristo era um grande investidor em sabedoria. Seus
sofrimentos o tornavam mais tranqüilo ao invés de mais tenso. As dores não o
desanimavam nem causavam conflitos psíquicos como normalmente ocorre conosco.
Cristo demonstrava ser um excelente gerente dos seus
pensamentos. Pela maneira como se comportava, pode-se concluir que quando
passava por frustrações e contrariedades, não gravitava em torno do estímulo
estressante. Conseqüentemente, seus pensamentos não ficavam hiperacelerados,
mas aquietavam-se no palco de sua mente. Isso facilitava que ele os
administrasse e produzisse respostas calmas e inteligentes em situações tensas.
É difícil construir uma história de prazer quando nossas
vidas transcorrem num deserto. É difícil nos doarmos sem esperar o retorno das
pessoas, não sofrermos quando elas não correspondem às nossas expectativas. É
igualmente difícil administramos os pensamentos nos focos de tensão. Não
conheço um psiquiatra ou psicólogo que tenha capacidade de preservar sua emoção
de estresses e investir em sabedoria como Cristo. Ele foi o mestre dos mestres
numa escola onde muitos intelectuais se comportam como alunos.
Cristo não queria fundar uma corrente de pensamento
psicológico. Seu projeto era muito mais ambicioso e sofisticado do que uma
corrente de pensamento. Entretanto, sua psicologia tinha uma complexidade
ímpar. A psicologia clássica nasceu como ciência há cerca de um século, mas
Cristo, há cerca de vinte séculos, exercia uma psicologia preventiva e
educacional no mais alto nível.
Os discípulos aprenderam, pouco a pouco, a lidar com
maturidade com seus sentimentos de culpa, com seus erros, com as suas
dificuldades; a transitar com dignidade pelos seus invernos existenciais. Compreenderam
que seu mestre não exigia que fossem super-homens, que não fracassassem, não
atravessassem dificuldade e nem tivessem momentos de hesitação, mas que
aprendessem a ser fiéis à sua própria consciência, que se colocassem como
aprendizes diante da vida e se transformassem paulatinamente.
A esse respeito, o mestre contou uma história sobre um homem
que encontrou uma pérola preciosa. Esse homem vendeu tudo o que tinha para
adquiri-la. O ato de vender, aqui, não é algo literal, não significava vender
os bens materiais, mas desobstruir a inteligência, o espírito humano,
desfazer-se das coisas inúteis, para que pudesse adquirir essa pérola dentro de
si mesmo. Há muitos significados para essa pérola, sendo um deles a sabedoria,
ligada ao seu projeto transcendental. Está correto que o inteligente rei
Salomão disse a respeito dela: “Feliz o homem que encontra a sabedoria ...
porque melhor é o lucro que ela dá do que o da prata, melhor a sua renda do que
o ouro mais fino”;
Nas salas de aula das escolas clássicas, se os alunos
ficarem em silêncio já é uma grande vitória. Se também incorporarem o
conhecimento e forem bem nas provas, pode-se dizer que houve um grande êxito. E
ainda se forem criativos e aprenderem algumas lições de cidadania, isso seria o
máximo do êxito educacional. Na escola da existência de Cristo a exigência era
muito maior. Não bastava conquistar essas funções da inteligência; era
necessário investir em sabedoria, gerenciar os pensamentos nos focos de tensão,
enfrentar o medo, usar seus erros e fracassos como fator de crescimento,
reescrever suas histórias.
Cristo colocou seus discípulos numa escola de sábios. Sábios
que foram comuns por fora, mas especiais por dentro. Sábios que viveram uma
vida plena, ainda que fosse simples exteriormente...