Aquele que vem do céu é o maior de todos e quem vem da
Terra é da Terra e fala das coisas terrenas. Quem vem do céu está acima de
todos.
O ser humano necessita para compreensão da existência
carnal, alterar a sua auto visão. Hoje se imagina um corpo físico que nasce da
união carnal entre dois seres. Este corpo que se forma e aparece (nasce)
desenvolver-se-á e, um dia, irá parar de funcionar (morte).
Para aqueles que não acreditam em Deus, neste momento,
chegará o fim total; para os outros, haverá um fim desta forma de existência
(material) para o início de outra. a espiritual. Em qualquer das crenças, o ser
humano imagina que ocorrem duas existências separadas: material e espiritual.
Esta é a compreensão até daqueles que acreditam na reencarnação, pois não
conseguem “ver” nos acontecimentos desta “vida” o reflexo dos atos de outras.
É por esta auto visão que os seres humanos buscam apenas a
satisfação material, ou seja, construir a sua “vida” de tal forma que ela
produza “frutos” materiais. Estes “frutos” nem sempre se referem a objetos, mas
sempre terão que produzir uma satisfação pessoal, ou seja, trazer uma felicidade
individual, independente da felicidade dos outros.
Quando o ser humano compreender que ele não “nasce” nem
“morre” junto com a matéria carnal, poderá, então, encontrar Deus, ou seja,
participar da felicidade universal e não buscar a satisfação pessoal.
O espírito é eterno: existia antes do “nascimento” e
continuará existindo após a “morte”. A vida carnal é apenas um lapso da vida
espiritual. A matéria carnal é um “traje” que o espírito “veste” para uma
determinada tarefa específica. Durante a existência carnal o espírito
continuará a ser o mesmo de antes e depois da encarnação. Terá as mesmas
capacidades e a mesma “essência” que fora da carne.
Quando o ser humano se conscientizar desta verdade buscará
participar da felicidade universal e não mais satisfazer suas próprias
“vontades”. Neste momento ele será superior, não porque é melhor, mas porque
estará “mais perto” de Deus.
Ele fala daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita a
sua mensagem.
O objetivo de uma encarnação (trabalho do espírito na carne)
é purificar os sentimentos que possui, ou seja, alterar o individualismo
(negativo) para universalismo (positivo). Isto ele consegue nutrindo apenas o
amor universal frente aos acontecimentos da vida. Podemos, então, chamar a vida
carnal de uma “prova” para o espírito.
Cada um possui determinados sentimentos que precisa alterar
e, por este motivo, possui provas específicas para estes sentimentos. Os
acontecimentos da vida de um espírito na carne são individualizados de acordo
com os sentimentos que ele precisa alterar. Foi isso que Cristo ensinou quando
disse que cada um tem a sua própria cruz para carregar.
O espírito fora da carne é cônscio daquilo que precisa
reformar. Por esta “consciência” ele participa da elaboração do seu “Livro da
Vida”, ou seja, determina os acontecimentos da sua próxima vida carnal. Pede e
programa os acontecimentos com a intenção de suportá-los com o amor universal e
assim purificar-se.
As situações da vida são, portanto, provas pedidas pelo
próprio espírito e não apenas determinados por Deus. Ao vencê-las, o espírito
participará da felicidade universal. Esta felicidade é alcançada quando o todo
espiritual fica feliz. Um espírito que consiga purificar-se traz a felicidade
coletiva à espiritualidade, pois este é o objetivo da existência espiritual.
Quando o espírito encarnado busca as realizações materiais está causando
“sofrimento” ao todo espiritual, pois deu vazão a sentimentos negativos.
A fome é uma situação de vida material, ou seja, uma prova
pedida pelo espírito durante a sua existência carnal. Passar por ela sem
“ranger de dentes” ou murmúrios contra Deus (reclamações) é reagir a este
acontecimento com amor: alegria, compaixão e igualdade. Reagir à fome com estes
sentimentos é falar do que “viu” e “ouviu” antes de encarnar, ou seja, mostrar
que conhece o sentido da sua vida.
Quem aceita a sua mensagem dá prova de que Deus é
verdadeiro.
Quando o espírito encarna existe um “artifício” que o impede
de utilizar a sua memória espiritual, ou seja, de lembrar-se do objetivo de sua
vida. Isto ocorre para que ele utilize a “fé”.
Ter fé é acreditar completamente em algo e a partir desta
crença alcançar uma confiança absoluta e irrestrita na ação do objeto da sua
fé. Ter fé em Deus é acreditar e confiar na ação dos Seus atributos (Causa
Primária, Inteligência Suprema, Justiça Perfeita e Amor Sublime). Viver com fé
é dar um testemunho autêntico desses atributos.
Para que o espírito consiga reagir aos acontecimentos com o
amor universal é preciso que ele acredite nos atributos de Deus e confie na
ação deles na sua vida carnal.
Para se viver com alegria independente do acontecimento, é
preciso compreender a ação de Deus. É necessário que se veja o comando de Deus
na forma de todos eles (perfeição) objetivando a Justiça Perfeita (dar o que
merece) e o Amor Sublime (não como pena, mas como ensinamento para evolução).
A compaixão pelos outros só será alcançada quando o espírito
não mais “sentir” sofrimentos, ou seja, não se sentir ferido ou magoado pelos
outros. Enquanto reagir com estes sentimentos terá que se “defender” agredindo.
A compaixão só será alcançada quando o espírito entender que ninguém pratica
algo contra ele, mas Deus utiliza os outros como “mensageiros” de ensinamentos
que objetivam o crescimento espiritual deste.
É na fé na ação de Deus que o espírito pode encontrar a
igualdade: dar a cada um o que merece. Não existe ninguém que tenha uma vida
completa de satisfações pessoais: sempre haverá situações de sofrimento. Na
consciência da distribuição igualitária das provas o espírito pode ver que a cada
um é dado de acordo com suas obras. Portanto, quando chega o seu momento de
passar por situações de sofrimento não há uma injustiça, mas uma igualdade.
Aquele que se vê como espírito e busca a elevação espiritual
compreende a ação de Deus sobre as coisas e acaba com o seu “entendimento”
sobre elas. Poderá, então, viver com o amor universal, exemplificando o
significado da “vida material” para os outros espíritos.
Tendo apenas fé (crença e confiança) na vida material, no
que “compreende” das coisas, o espírito continuará sendo um ser humano e
continuará a viver para a sua satisfação pessoal.
Aquele que Deus enviou diz as palavras de Deus porque
Deus dá do seu Espírito sem medida.
É pela fé na “ação” de Deus sobre as coisas da vida que o
espírito pode alcançar o amor universal. A reforma íntima, tão comentada como
necessária para a evolução espiritual, é “alterar a essência dos
acontecimentos”: ao invés do espírito entende-los como “erro”, “injustiça”
e “sofrimento”, enxergar a ação dos atributos de Deus.
É preciso que o espírito busque a “cegueira”, ou seja, não
“veja” mais as coisas para que viva com o amor universal. No entanto, esta
“cegueira” não será dada como dádiva por Deus, mas precisa ser alcançada pelo
esforço individual do espírito. Por isto Jesus nos ensinou que devemos vigiar
sempre nossas atitudes? Mas, de onde vêm os atos? O que é que cada um “vê”?
“Ver” alguma coisa é perceber formas e analisa-las com os
conceitos que o espírito possui. Sempre que uma forma é percebida, o espírito
promove um raciocínio, ou seja, analisa a percepção (pensamento). Esta análise
é influenciada pelos conceitos existentes.
Existem dois tipos de “pensamento”: espiritual e material. O
primeiro, que acontece no que é conhecido como “inconsciente”, o espírito
“escolhe” (livre arbítrio) um sentimento para reagir ao percebido. No segundo
(material), este sentimento se “materializa” em histórias (pensamento) que servirão
como “argumentos” materiais para o ato.
Exemplificando. Quando um espírito percebe uma outra pessoa ele
busca os sentimentos conceituais sobre ela: gosto ou não, ela é agressiva ou
não, é “amiga” ou não. A partir destes sentimentos ele “verá” todos os atos já
praticados por aquela pessoa que ele tenha conhecimento (“viu” ou “soube”).
Sempre que uma percepção é recebida o espírito pratica o raciocínio espiritual
e recebe o raciocínio material.
O Espiritualismo Ecumênico Universal vem ensinando que o
raciocínio material (pensamento) é intuído pelos espíritos fora da carne por
ordem de Deus. Eles não foram desenvolvidos pelo próprio espírito, mas
“recebidos” pela intuição. No entanto o raciocínio material sempre refletirá o
sentimento escolhido pelo próprio espírito.
Se a escolha do sentimento antecede o pensamento, o ato não
é gerado realmente pelo pensamento material, mas sim pelo sentimento que o
espírito escolhe e que serve de base para a “história” que Deus manda
transmitir.
Para a promoção da reforma íntima, devem ser alterados os
sentimentos que se nutrem pelas pessoas, objetos e situações. É esta alteração
que levará a Deus a transmitir “histórias” diferentes. A vigilância pedida por
Jesus para que aconteça a reforma íntima deve, portanto, ser nos sentimentos
que um espírito “escolhe” para reagir aos acontecimentos da vida.
No entanto, o espírito não “conhece” os sentimentos e altera
a essência deles para que haja uma satisfação pessoal e não a felicidade
universal. Um filho diz que ama a mãe, mas isto é impossível. O verdadeiro amor
prega a igualdade entre todos e o filho sempre considera seus “pais” superiores
aos outros seres humanos. O amigo diz que “chama atenção” de outro para o
próprio bem deste. Na verdade “esquece” que utiliza os seus próprios “valores”
(conceitos) para determinar o que é “certo”. Ter a compaixão (ser amigo) é dar
a cada um a liberdade de se “achar” certo.
Os sentimentos positivos do universo levam o espírito a
viver no reino de Deus, ou seja, alcançar a felicidade universal e a igualdade
plena, que não permitem a existência da satisfação pessoal (sofrimento).
Como então promover a reforma íntima, se o espírito não
“sabe” como vigiar seus sentimentos? Vigiando os pensamentos. Se o raciocínio
material (pensamento) é apenas uma materialização do sentimento e este o
espírito “compreende”, aí está o campo para a mudança. Ela deverá, então, ser
feita questionando o seu raciocínio: se ele está de acordo com os ensinamentos
passados pelos Mestres.
INVESTINDO EM SABEDORIA DIANTE DOS INVERNOS DA VIDA
Augusto Jorge Cury
Os princípios da matemática emocional
Muitos investem boa
parte de sua energia física e psicológica em aplicar seu dinheiro nas bolsas de
valores, em adquirir bens materiais, em ter um carro do último tipo, em
adquirir um bom plano de previdência. A segurança financeira é legítima, mas é
totalmente insuficiente para satisfazer as necessidades mais íntimas do homem,
para dar sentido à sua existência, enriquecer seu prazer de viver e amadurecer
sua personalidade.
Tratei diversas pessoas com transtornos depressivos que eram
financeiramente ricas, mas que tinham perdido o encanto pela vida. Várias
comentaram que sentiam inveja de pessoas simples, pois embora não tivessem
cultura nem suporte financeiro, elas sorriam diante dos pequenos eventos da
vida.
Lembro-me de um grande empresário agroindustrial que me
disse que alguns dos seus empregados cortadores de cana eram mais ricos do que
ele, pois, mesmo diante da miséria material, conseguiam cantar e se alegrar
enquanto trabalhavam. De fato, há miseráveis que moram em palácios e ricos que
moram em favelas...
Não estou fazendo apologia à miséria, pelo contrário, a
miséria em todos os sentidos deveria ser extirpada das sociedades, mas quero
dizer que a psique humana é tão complexa que desobedece às regras da matemática
financeira. A matemática emocional tem, felizmente, princípios que ultrapassam
os limites da matemática lógica, financeira. Ter não é ser. Quem tem dez casas
não tem dez vezes mais prazer pela vida ou dez vezes mais segurança emocional
do que quem tem um casebre. Quem tem 1 milhão de dólares não é milhares de
vezes mais alegre do que quem tem alguns míseros trocados.
É possível ter muito financeiramente e ser emocionalmente triste,
infeliz. É possível ter riquezas materiais e baixa capacidade de contemplação
do belo. A matemática emocional pode inverter os princípios da matemática
financeira, principalmente se alguém aprender a investir em sabedoria. O
processo da construção da inteligência é um espetáculo tão sofisticado que
possui atos inesperados e cenas imprevisíveis ao longo da vida.
Todos comentam sobre a miséria física porque é perceptível
aos olhos, mas raramente se comenta sobre a miséria emocional, que abate o
ânimo e restringe o prazer da existência.
A temporalidade da vida é muito curta. Num instante somos
jovens e em outro somos velhos. As crianças gostam de fazer aniversário. Quando
chega a maturidade, queremos parar o tempo, mas ele não para. A brevidade da
vida deveria nos fazer procurar a sabedoria e dar um sentido mais rico para a
existência, caso contrário, o tédio e a angústia serão parceiros íntimos de
nossa trajetória.
Investindo em sabedoria: as dores da existência sob outra
perspectiva
Cristo objetivava que seus discípulos se tornassem grandes
investidores em sabedoria. Ele não queria que o ser humano tivesse uma meta
existencial pobre e superficial. Ao investigarmos sua história, constatamos que
para ele cada ser humano era um ser ímpar e deveria viver sua vida como um
espetáculo singular. Por isso, ele aproveitava cada oportunidade para treinar
seus discípulos a crescer diante das limitações e das fragilidades humanas.
Procurava abrir-lhes o horizonte intelectual para que pudessem ver os
sofrimentos sob outra perspectiva.
As dores da existência, tanto as físicas quanto,
principalmente, as psicológicas, deveriam ser aliviadas. Todavia, para Cristo,
elas deveriam ser usadas para lapidar as arestas da personalidade. O ser humano
aprende facilmente a lidar com seus sucessos e ganhos, mas tem grande
dificuldade de aprender a lidar com seus fracassos e perdas. Vivemos em
sociedades que negam as dores da existência e superdimensionam a busca pelo
sucesso. Qualquer pessoa aprende a lidar bem com as primaveras da vida, mas só
os sábios aprendem a viver com dignidade nos invernos existenciais...
O fato de sermos
seres que pensam e têm consciência nos torna uma espécie muito complexa e, por
vezes, complicada. Uma espécie que constrói seus próprios inimigos. A cada momento
penetramos nos labirintos da memória e construímos ricas cadeias de pensamentos
sem saber como encontrar os endereços das informações na memória. Pensar é um
espetáculo. Porém, pode ser tanto um espetáculo de prazer como de terror. Se o
mundo das idéias que construímos no placo de nossas mentes é negativo, fazemos
de nossas vidas um espetáculo de angústia, ainda que possamos ter privilégios
exteriores.
Freqüentemente, o homem é o maior algoz de si mesmo. Muitos
sofrem por antecipação, fazem o “velório antes do tempo”. Os problemas ainda
não ocorreram e eles já estão sofrendo antecipadamente. Outros ruminam o
passado e mergulham numa esfera de sentimentos de culpa. O peso da culpa está
sempre ferindo-os. Outros, ainda, se auto destroem pela hipersensibilidade
emocional que possuem; pequenos problemas têm um eco intenso dentro deles. As
pessoas hipersensíveis costumam ser ótimas para os outros, mas péssimas pára si
mesmas. Quando alguém as ofende, estraga o seu dia e, às vezes, até sua semana.
Assim, para essas pessoas, a magnífica construção de pensamentos deixa de ser
um espetáculo de entretenimento para ser uma fonte de ansiedade.
Se não reciclarmos as idéias de conteúdo negativo, não
trabalharmos o sentimento de culpa e repensarmos a hipersensibilidade
emocional, facilmente desenvolveremos depressão ou stress acompanhado de
sintomas psicossomáticos. Pensar não é uma opção do homem. Pensar, como vimos,
é um processo inevitável. Ninguém consegue interromper o fluxo de pensamentos,
mas é possível gerenciar com determinada maturidade os pensamentos e as
emoções, caso contrário nos tornamos vítimas de nossa própria história. Se o
homem não for o agente modificador de sua história, se não a reescrever com
maturidade, certamente será vítima dos invernos existenciais.
Reescrever a história é o papel fundamental do homem.
Precisamos incorporar a necessidade desse capital intelectual.
Cristo destilava sabedoria da sua miséria...
Cristo estava sempre conduzindo as pessoas a reescrever suas
histórias e a não ser vítimas das intempéries sociais e dos sofrimentos que
viviam. Ele se preocupava com o desenvolvimento das funções mais altruístas da
inteligência. Desejava que elas tivessem domínio próprio, administrassem os
pensamentos e aprendessem a trafegar nas avenidas da perseverança diante das
dificuldades da vida.
Cristo foi ofendido diversas vezes, porém sabia proteger a
sua emoção. Alguns fariseus diziam que ele era o principal dos demônios. Para
alguém que se colocava como o “Cristo”, essa ofensa era muito grave. Todavia,
as ofensas não o atingiam. Somente uma pessoa forte e livre é capaz de refletir
sobre as ofensas e não ser fedia por elas. Cristo era forte e livre em seus
pensamentos, por isso podia dar respostas excepcionais em situações em que
facilmente a ira nos invadiria.
Nem mesmo a possibilidade de ser preso e morto a qualquer
momento parecia perturba-lo. Ele transcendia as situações que normalmente nos
sobrecarregariam de ansiedade. Tinha muitos opositores, todavia manifestava com
ousadia seus pensamentos em público. Tinha todos os motivos para ter insônia.
Contudo, parecia que não perdia noite de sono, dormindo até em situações
turbulentas.
Certa vez, os discípulos, que eram pescadores e, portanto,
especialistas em mar, ficaram intensamente apavorados diante de uma grande
turbulência marítima. Enquanto os discípulos estavam desesperados, Cristo
dormia. Ele não era pescador nem estava acostumado a viajar de barco. Quem não
está acostumado a navegar geralmente sente enjôo na viagem, principalmente se o
mar estiver agitado. Desesperados, eles o despertaram. Acordado, ele censurou o
medo e a ansiedade deles e com um gesto acalmou a tempestade. Os discípulos,
mais uma vez intrigados, perguntavam entre si: “Quem é este que até o vento e o
mar lhe obedecem...?”. O que quero comentar aqui não é o ato sobrenatural de
Cristo, mas a tranqüilidade que demonstrava diante das situações em que o
desespero imperava.
Ele agia com serenidade quando todos ficavam apavorados.
Preservava sua emoção das contrariedades. Muitos fazem de suas emoções um
depósito de lixo. Não filtram os problemas, as ofensas, as dificuldades que
atravessam, pelo contrário, elas entram dentro de si com extrema facilidade,
gerando angústia e stress. Todavia, Cristo não se deixava invadir pelas
turbulências da vida. Ele administrava a sua emoção com exímia habilidade, pois
filtrava os estímulos angustiantes, estressantes.
Não apenas o medo não fazia parte do seu dicionário da vida,
mas também o desespero, a ansiedade, a insegurança e a instabilidade.
Os discípulos contemplavam seu mestre atenta e
embevecidamente e, assim, pouco a pouco, aprendiam com ele a ser fortes e
livres interiormente, bem como a ser seguros, tranqüilos e estáveis nas
situações tensas.
Todos elogiam a primavera e esperam ansiosamente por ela,
pois pensam que as flores surgem nessa época do ano. Na realidade, as flores
surgem no inverno, ainda que clandestinamente e se manifestam na primavera. A
escassez hídrica, o frio, a baixa luminosidade, pertinentes ao inverno,
castigam as plantas, levando-as a produzir metabolicamente as flores que
desabrocharão na primavera. As flores contêm as sementes e as sementes
expressam uma tentativa de continuação do ciclo da vida das plantas diante das
intempéries que atravessam no inverno. O caos do inverno é responsável pelas
flores da primavera.
Ao analisar a história de Cristo, fica visível que os
invernos existenciais pelos quais ele passava não o destruíam, pelo contrário,
geravam nele uma bela primavera existencial, expressa por sua sabedoria,
amabilidade, tranqüilidade, tolerância, capacidade de compreender e superar os
conflitos humanos.
Todo ser humano passa por invernos existenciais
Toda e qualquer pessoa passa por turbulências em sua vida.
As dores geradas por problemas externos ou por fatores internos são os
fenômenos mais democráticos da existência. Um rei pode não ter problemas
financeiros, mas, tem problemas internos. A princesa Diana era elegante e
humanística e não atravessava problemas financeiros, mas pelo que consta,
possuía dores emocionais intensas, sofria crises depressivas. Talvez sofria
mais do que muitos miseráveis da África ou do Nordeste brasileiro.
A pessoas que passam pelas dores existenciais e as superam
com dignidade ficam mais bonitas e interessantes interiormente. Quem passou
pelo caos da depressão, da síndrome do pânico ou de outras doenças psíquicas e
o superou, se tornou mais rico, belo e sábio. A sabedoria torna as pessoas mais
atraentes, ainda que o tempo sulque a pele e traga as marcas da velhice.
Uma pessoa que tem medo do medo, medo da sua depressão, das
suas misérias psíquicas e sociais, tem menos equipamento intelectual para
supera-las. O medo alimenta a dor... Aprender a enfrentar o medo, a atuar com
segurança nos sofrimentos e a reciclar as causas que financiam os conflitos
humanos conduz uma pessoa a reescrever sua história.
Todos gostamos de viver as primaveras da vida, viver uma
vida com prazer, com sentido, sem tédio, sem turbulências, onde os sonhos se
tornem realidade e o sucesso bata às nossas portas. Entretanto, não há um ser
humano que não atravesse invernos existenciais. Algumas perdas e frustrações
que vivemos são imprevisíveis e inevitáveis. Quem consegue evitar todas as
dores da existência? Quem nunca teve momentos de fragilidade e chorou lágrimas
úmidas ou secas? Quem consegue evitar todos os erros e fracassos? O homem, por
mais prevenido que seja, não consegue controlar todas as variáveis da vida e
evitar determinadas angústias.
Todos passamos por focos de tensão. As preocupações
existenciais, os desafios profissionais, os compromissos sociais e os problemas
nas relações interpessoais geram continuamente focos de tensão que, por sua
vez, geram stress e ansiedade. Os focos de tensão podem exercer um controle
sobre a inteligência que nos impede de ser livres, tanto na construção quanto
no gerenciamento dos pensamentos. Às vezes, a atuação dos focos de tensão é tão
dramática que exerce uma verdadeira ditadura sobre a inteligência.
Quem cuida apenas da estética do corpo e descuida do
enriquecimento interior vive a pior solidão, a de ter abandonado a si mesmo em
sua trajetória existencial. As pessoas que vivem preocupadas com cada grama de
peso fazem de suas vidas uma fonte de ansiedade. Elas têm grande dificuldade de
superar as contrariedades, as contradições e os focos de tensão que surgem na
trajetória existencial.
A ditadura dos focos de tensão torna o ser humano uma vítima
de sua história e não um agente construtor dela, um autor que reescreve seus
principais capítulos. É mais fácil o homem ser vítima do que autor de sua
história. Muitas pessoas são marionetes das circunstâncias da vida, não
conseguindo redirecionar e repensar suas histórias.
Cristo via as dores da vida sob outra perspectiva.
Enfrentava as contrariedades sem desespero, não tinha medo da dor nem das
frustrações pelas quais passava. Muitos o decepcionavam, até os seus íntimos
discípulos o frustravam, mas ele absorvia aquelas frustrações com
tranqüilidade. Como mestre da escola da existência, treinava continuamente seus
discípulos a superarem seus focos de tensão, a enfrentarem seus medos e seus
fracassos. Assim, poderiam reescrever suas histórias e corrigir suas rotas com
maturidade.
Certo dia, Jesus teve um diálogo curto e cheio de
significado com seus discípulos. Disse: ”No mundo passais por várias aflições,
mas tende bom ânimo, pois eu venci o mundo”. Ele reconheceu que a vida humana é
sinuosa e possui turbulências inevitáveis, encorajou seus íntimos a não se
intimidar diante das aflições da existência, mas a se equipar com ânimo e
determinação para supera-las. Disse que tinha vencido o mundo, tinha vencido as
intempéries da vida, o que indica que ele viva sua vida, não de qualquer
maneira, mas com consciência, com metas bem estabelecidas, como se fosse um
atleta.
Produzindo uma escola de sábios
Cristo teve um nascimento indigno e os animais foram suas
primeiras visitas. Provavelmente, até as crianças mais pobres têm um nascimento
mais digno do que ele. Quando tinha dois anos, deveria estar brincando, mas já
atravessava grandes problemas. Era perseguido de morte por Herodes.
Dificilmente uma criança frágil e inocente foi tão perseguida como ele. Fugiu
com seus pais para o Egito, fez longas jornadas desconfortáveis, a pé ou no
lombo de animais; tinha uma inteligência incomum para um adolescente, sendo
admirado aos doze anos por intelectuais da época. Todavia, tornou-se um
carpinteiro, tendo de labutar para sobreviver.
Quando manifestou seus pensamentos ao mundo, causou grande
turbulência. Foi amado por muitos, mas na mesma proporção foi perseguido,
rejeitado e odiado pelos homens que detinham o poder político e religioso de
sua época. Foi incompreendido, rejeitado, esbofeteado, cuspido e ferido física
e psicologicamente. Cristo tinha todos os motivos para ser tenso, irritado,
angustiado, revoltado. Em vez disso, expressava tranqüilidade, capacidade de
amar, de tolerar, de superar seus focos de tensão e, como disse, até fazer
poesia da sua miséria.
Apesar de passar por tantas dificuldades ao longo de sua
vida, era uma pessoa alegre. Talvez não manifestasse largos e fartos sorrisos,
mas era alegre no seu interir, provavelmente mais do que se possa imaginar.
Logo antes do seu martírio, manifestou que os discípulos deveriam provar da
alegria que ele possuía, da alegria completa. Muitos têm bons motivos para ser
felizes, mas estão sempre insatisfeitos, descontentes com o que são e possuem.
Todavia Cristo, apesar de todos os motivos para ser uma pessoa triste, se
mostrava feliz e sereno.
Como é possível alguém que sofreu tanto desde a infância
mostrar-se tão tranqüilo, capaz de não perder a paciência quando contrariado e
superar as contrariedades da vida com serenidade? Como é possível alguém tão
rejeitado e incompreendido manifestar que não apenas era alegre, mas que também
possuía uma fonte de alegria que poderia propiciar ao homem prazer e sentido
existencial pleno? Cristo era um grande investidor em sabedoria. Seus
sofrimentos o tornavam mais tranqüilo ao invés de mais tenso. As dores não o
desanimavam nem causavam conflitos psíquicos como normalmente ocorre conosco.
Cristo demonstrava ser um excelente gerente dos seus
pensamentos. Pela maneira como se comportava, pode-se concluir que quando
passava por frustrações e contrariedades, não gravitava em torno do estímulo
estressante. Conseqüentemente, seus pensamentos não ficavam hiperacelerados,
mas aquietavam-se no palco de sua mente. Isso facilitava que ele os
administrasse e produzisse respostas calmas e inteligentes em situações tensas.
É difícil construir uma história de prazer quando nossas
vidas transcorrem num deserto. É difícil nos doarmos sem esperar o retorno das
pessoas, não sofrermos quando elas não correspondem às nossas expectativas. É
igualmente difícil administramos os pensamentos nos focos de tensão. Não
conheço um psiquiatra ou psicólogo que tenha capacidade de preservar sua emoção
de estresses e investir em sabedoria como Cristo. Ele foi o mestre dos mestres
numa escola onde muitos intelectuais se comportam como alunos.
Cristo não queria fundar uma corrente de pensamento
psicológico. Seu projeto era muito mais ambicioso e sofisticado do que uma
corrente de pensamento. Entretanto, sua psicologia tinha uma complexidade
ímpar. A psicologia clássica nasceu como ciência há cerca de um século, mas
Cristo, há cerca de vinte séculos, exercia uma psicologia preventiva e
educacional no mais alto nível.
Os discípulos aprenderam, pouco a pouco, a lidar com
maturidade com seus sentimentos de culpa, com seus erros, com as suas
dificuldades; a transitar com dignidade pelos seus invernos existenciais. Compreenderam
que seu mestre não exigia que fossem super-homens, que não fracassassem, não
atravessassem dificuldade e nem tivessem momentos de hesitação, mas que
aprendessem a ser fiéis à sua própria consciência, que se colocassem como
aprendizes diante da vida e se transformassem paulatinamente.
A esse respeito, o mestre contou uma história sobre um homem
que encontrou uma pérola preciosa. Esse homem vendeu tudo o que tinha para
adquiri-la. O ato de vender, aqui, não é algo literal, não significava vender
os bens materiais, mas desobstruir a inteligência, o espírito humano,
desfazer-se das coisas inúteis, para que pudesse adquirir essa pérola dentro de
si mesmo. Há muitos significados para essa pérola, sendo um deles a sabedoria,
ligada ao seu projeto transcendental. Está correto que o inteligente rei
Salomão disse a respeito dela: “Feliz o homem que encontra a sabedoria ...
porque melhor é o lucro que ela dá do que o da prata, melhor a sua renda do que
o ouro mais fino”;
Nas salas de aula das escolas clássicas, se os alunos
ficarem em silêncio já é uma grande vitória. Se também incorporarem o
conhecimento e forem bem nas provas, pode-se dizer que houve um grande êxito. E
ainda se forem criativos e aprenderem algumas lições de cidadania, isso seria o
máximo do êxito educacional. Na escola da existência de Cristo a exigência era
muito maior. Não bastava conquistar essas funções da inteligência; era
necessário investir em sabedoria, gerenciar os pensamentos nos focos de tensão,
enfrentar o medo, usar seus erros e fracassos como fator de crescimento,
reescrever suas histórias.
Cristo colocou seus discípulos numa escola de sábios. Sábios
que foram comuns por fora, mas especiais por dentro. Sábios que viveram uma
vida plena, ainda que fosse simples exteriormente...